Empreendedor baiano cria base em Portugal e abre novos mercados para o cacau e chocolate de origem na Europa e Ásia

Do Cacau & Chocolate, por Daniel Thame

Há um ditado que diz: “os loucos abrem os caminhos, que os sábios, depois percorrem”. Pouco mais de uma década atrás, realizar um festival do chocolate no Sul da Bahia, essencialmente uma região produtora de cacau e com apenas uma marca relativamente conhecida, o Chocolate Caseiro de Ilhéus, parecia uma loucura.

E efetivamente era.

Nascido em Guanambi, publicitário e promotor de eventos com carreira consolidada em Ilhéus, Marco Lessa resolveu abrir o novo caminho, cruzar a fronteira que uniria cacau e chocolate e revolucionaria o modelo de produção. Nascia, em 2008, o Festival do Chocolate e Cacau, com menos de dez estandes e quatro marcas de chocolate.

Caminhar era preciso e Marco Lessa caminhou. O Festival do Chocolate e Cacau se transformou no Festival Internacional do Chocolate e Cacau, simplesmente o maior evento do gênero no Brasil e na América Latina.

Em 2019, já na sua décima primeira edição e rebatizado como Chocolat Bahia, eram 170 expositores e mais de 70 marcas de chocolate de origem do Sul da Bahia, com um total de 60 mil visitantes e R$ 15 milhões e negócios.

Como caminhos são para serem abertos, Marco Lessa criou o Chocolat Amazônia, realizado no Pará, já em sua sexta edição, e em 2019, o Chocolat São Paulo, abrindo espaço para o chocolate de origem do Sul da Bahia e da Amazônia no maior mercado consumidor do país. Na primeira edição paulista, foram 70 expositores e mais de 40 marcas de chocolate, atraindo cerca de 20 mil visitantes, com mais de R$ 5 milhões em negócios, na Bienal, no icônico Parque do Ibirapuera.

Em 2017, o reconhecimento nacional: Marco Lessa foi escolhido como uma das 100 pessoas mais influentes do agronegócio brasileiro pela revista Dinheiro Rural, uma das mais influentes e respeitadas do setor.

Luana Lessa, da Chor, é exemplo de empreendedorismo feminino que está transformando a região

Nesse entrevista a Daniel Thame, editor do ao site Cacau & Chocolate, Marco Lessa fala sobre criação dos festivais do chocolate, a mudança de mentalidade e do modelo de produção no Sul da Bahia, o potencial do turismo associado ao chocolate, os desafios da comercialização e consolidação de marcas regionais e de seu passo mais recente e igualmente digno de um empreendedor, a criação de uma base em Portugal, para ampliar a marca Chocolat Festival e abrir novos mercados para o cacau e o chocolate do Brasil na Europa e Ásia.

Para quem nunca teve medo de caminhar, o mundo é o limite.

Cacau & Chocolate – Qual foi o momento em que, mesmo sem produzir chocolate, você acreditou que um festival teria um papel catalisador nesse processo?

Marco Lessa – O evento começou quando eu completava 20 anos em Ilhéus e foi uma soma de experiências e percepções. Ao longo desse tempo, tive experiências em áreas diversas, principalmente relacionadas à produção de eventos e comunicação. A participação na produção da novela Renascer, em 1992, foi muito importante porque se tornou uma forma de conhecer melhor a região geograficamente e culturalmente.

Via o lado da ficção, a partir da obra de Benedito Ruy Barbosa para a Rede Globo, e a vida real, quando tínhamos uma região com quatro anos de vassoura-de-bruxa e percebíamos como isso já refletia na queda da produção e numa grave crise socioeconômica.

Outro fator determinante foi conhecer a cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul. Fui diversas vezes por conta dos eventos de publicidade em que atuava. Gramado se mostrava um destino que vivia em torno do chocolate.

Então, essa força do chocolate, o fato de conhecer a região de Ilhéus da maneira como conheci, de ter percebido essa riqueza cultural que havia aqui, somados à minha experiência na organização de eventos culturais a empresariais me permitiram fazer um cruzamento de todas as informações e entender que poderíamos trazer o chocolate – um produto de aceitação quase que unânime – para essa discussão e partirmos de uma região que só produzia a matéria-prima sem nenhum valor agregado para começarmos a verticalizar.

 “O legado de Jorge Amado inspirou a criação do Festival do Chocolate”

A partir daí, fui reunindo esses elementos todos e compreendi que – a exemplo de eventos grandiosos como Copa do Mundo e Olimpíadas – é possível criar uma cultura. Nós tínhamos uma cultura de cacau que passava por um momento muito complicado, com duas décadas perdidas e uma incapacidade de reação.

Se tratássemos de um assunto que dialogasse mais com as pessoas, que era o próprio chocolate para o consumo delas, e, além de tudo, nós mostrássemos o que havia trás disso, que é um alimento incrível carregado de história por trás dessa produção e também tocado pela arte e cultura por conta do legado de Jorge Amado, nós teríamos a oportunidade de reverter o momento.

A situação não apresentava, em curto prazo, nenhuma chance de mudança. Só se falava em dívida, em vassoura-de-bruxa e a mais absoluta baixa autoestima e tristeza dominavam na região. As coisas só pioravam. A intenção, portanto, era reunir toda essa experiência adquirida e, somada com o sonho de contribuir com a melhoria da região, reverter aquela triste situação.

C&C – Você sempre apostou que o Chocolat Festival tomaria essa dimensão?

Marco Lessa – Essa dimensão talvez não, mas sabia que ele iria longe. O objetivo não era nem fazer com que o evento se expandisse para outros lugares. Era fazer um evento que se tornasse referência para a Bahia e para o Brasil, que começasse a mudar completamente a forma das pessoas se comportarem.

O Sul da Bahia tem uma vocação grandiosa. A exuberância, a beleza, a riqueza natural, a riqueza histórica, a riqueza cultural, a localização estratégica, o aeroporto. Tudo isso torna a região um destino turístico incrível, o que não justificaria vivermos em uma grande crise por muito tempo.

No início, não imaginamos que o Chocolat Festival alcançaria outras fronteiras e outros países. Mas sabíamos que ele poderia ser um divisor de águas. Foi com isso que sonhamos desde o início. Nas primeiras duas ou três edições, já falávamos sobre a importância do evento e sobre como ele poderia promover mudanças do ponto de vista comportamental e empresarial.

C&C – Depois de consolidar o Chocolat Bahia e o Chocolat Amazônia, você levou o projeto para São Paulo. O que parecia ser um salto no escuro acabou sendo um divisor de águas?

Marco Lessa – Sem dúvidas. São Paulo é o centro econômico do Brasil, onde está a grande mídia e o grande mercado consumidor. Para as marcas que nasceram do Festival, nasceram na região, nasceram após essa grande mudança, é uma grande chance. O evento foi de um efeito e uma dimensão tão espetacular que, em determinado ponto, promoveu uma onda gigantesca, um tsunami, no bom sentido, de chocolate para o Brasil inteiro.

O Chocolat Festival influenciou a grande mídia, chefs de cozinha, empreendedores do segmento e influenciou até leis, a exemplo da lei federal pra mudança do percentual de cacau.

Naturalmente, já havia algumas iniciativas louváveis, como as pesquisas feitas na CEPLAC sobre a produção de chocolate, o que faz todo o sentido. Não seria coerente um fundo de pesquisa em torno da matéria-prima do chocolate não pesquisar justamente sobre o chocolate. Seria como produzir borracha e não fazer testes em pneus e outras aplicações. Ou produzir pneus e não testá-los nas estradas.

“O Chocolat São Paulo leva nossos produtos ao maior mercado consumidor do país”

A ida para São Paulo é um segundo momento. Foi um grande salto do evento. Lá, a vitrine é tanto para as marcas que produzem chocolate e derivados de cacau a partir de amêndoas oriundas da Bahia, Pará, Espírito Santo quanto para as marcas de chocolates que começaram utilizar cacau brasileiro de várias partes do país.

O mais incrível é que as grandes marcas de chocolates, algumas mais novas a exemplo da Dengo, outras já consolidadas como Cacau Show e multinacionais como Nestlé, Mars e Lacta, começaram a desenvolver produtos com alto teor de cacau, com cacau brasileiro, produtos de origem.

A gente tem muita tranquilidade de dizer que tudo isso foi fruto do movimento que começou em 2009 no Festival do Chocolate da Bahia. Se não houvesse esse movimento, se não estivesse tido o primeiro festival, naturalmente as coisas poderiam estar acontecendo, mas com certeza não estariam, em hipótese alguma, nesse estágio e mudando o comportamento do consumidor.

C&C – Em 2020, além da Bahia, Pará e São Paulo o projeto chega ao Espírito Santo e Portugal…

Marco Lessa – Nós chegaremos no Espírito Santo e em Portugal e na Argentina chegaremos em 2021. A Argentina é o maior consumidor de chocolate brasileiro, é o país que mais importa chocolate do Brasil e é um destino que nos interessa muito. Espírito Santo eu diria que é um movimento natural, é o terceiro estado em produção de cacau do Brasil, tem feito um trabalho muito bonito e muito bacana com amêndoas de qualidade e muitas marcas de chocolates estão surgindo por lá.

Então, estamos muito animados com essa possibilidade de fazer o evento no Espírito Santo já em 2020. Campos dos Jordão, Salvador, Gramado e Portugal também estão nos nossos planos, além de outra edição na Amazônia, no Xingu, em Medicilândia, região onde estão os maiores produtores do Pará.

Estamos muito felizes com essa expansão e mais novidades surgirão com projetos e subprodutos do festival.

“Portugal é a porta de entrada do cacau e chocolate para novos mercados na Europa e na Ásia”

C&C – Você abriu uma base operacional em Braga, Portugal. O que pretende e quais as expectativas em relação a isso?

Marco Lessa – Braga é o endereço, mas a base é em Portugal, já que a gente fica circulando pelo país, entre Porto, Lisboa e Braga. E a expectativa é a fazer um grande hub para comercialização de amêndoas brasileiras para Europa e Ásia e, num segundo momento, também produzirmos chocolate com cacau do Brasil, além de trazer tecnologias e know-how do cacau brasileiro para a produção da África.

Em Portugal, a ideia é essa: fazer daqui um hub para Europa e Ásia e começarmos a trabalhar o cacau do Brasil, cacau da Bahia e chocolate, além de outros derivados.

C&C – O Sul da Bahia, com o polo de chocolates de origem, está diante de uma chance histórica que não pode ser desperdiçada. O que é preciso ser feito?

Marco Lessa – O Governo da Bahia tem colaborado muito, feito a parte dele. Acho que algumas iniciativas empresariais precisam ser mais arrojadas e corajosas. Não há como negar que é uma evolução, algumas fazendas estão trabalhando profissionalmente, estão ampliando isso, para receber visitantes e também um investimento muito pesado na qualidade do cacau e no desenvolvimento de outros produtos derivados do cacau, não apenas chocolate.

A fábrica de chocolate ICB (Indústria de Chocolate da Bahia) surgiu lá. Nós fizemos esse investimento em 2018 e a fábrica já está funcionando em Ilhéus. No ano passado já produzimos muito chocolate e a tendência é crescer. A nossa intenção é triplicar a produção em 2020.

Entretanto, acredito que outras iniciativas podem ser realizadas, como por exemplo, hotéis temáticos, investimento no museu, algo que defendemos durante muito tempo), uma melhor organização do pessoal da Estrada do Chocolate, para que haja um trabalho mais bem feito, com mais resultados.

Enfim, existem muitas oportunidades e tenho uma convicção, esse é um caminho sem volta, por se tratar de um produto que cresce. Todo mundo consume, no Brasil e no mundo mesmo, portanto não podemos desprezar isso.

Então, a referência de chocolate no Brasil, sendo chocolate de origem , bean to bar, orgânico, tree to Bar, ou o que for, vai ser Ilhéus, como sempre foi de cacau. Por isso precisamos agora trabalhar profissionalmente isso e haver mais investimento empresarial.

C&C- Não é só cacau e chocolate: é turismo, entretenimento, comércio, serviços, enfim, a economia aquecida a partir do momento em que não se produz apenas amêndoas mas chocolate com forte apelo sustentável e alto valor agregado.

Marco Lessa – Esse projeto nasceu exatamente pela sua transversalidade, pela cadeia muito rica, todos os segmentos conversam entre si. Considere o seguinte cenário: eu tenho lá um bombom vendendo em uma farmácia, outra pessoa abre um hotel temático, uma academia vendendo chocolate com alto teor de cacau que faz bem para a saúde, um spa oferendo banho terapêutico de chocolate, uma loja com algum nome relacionado ao tema, outra vendendo souvenirs, os restaurantes utilizando cacau, chocolates, nibs e outros derivados no seu menu, o turismo rural sendo trabalhado, as operadoras ganhando com isso, Jorge Amado sendo revitalizado com toda sua obra alicerçada no cacau, enfim, produções culturais, artísticas, eventos acontecendo.

Tudo isso demonstra a integração regional, gera o aumento de fluxo de pessoas motivadas por esse setor, gera aumento da permanência e aumento do gasto médio do visitante, gera o desenvolvimento do empreendedorismo com pessoas que estavam sem nenhuma perspectiva e começam a encontrar uma oportunidade nessa nova economia, seja fazendo um brigadeiro, fazendo um souvenir, fazendo artesanato.

Então você ver como é esse universo do chocolate de origem, que muda completamente a feição de uma região. Então a gente fica muito feliz em poder ver nas ruas, nas feiras, nas feiras de bairros, nas feiras de praças, a quantidade de produtos que surgem a partir desse movimento iniciado no Festival do chocolate. É nibs, é cerveja, é geleia, é licor, é doce, é polpa, é chocolate em barra, são as misturas, é a música do cacau, é a música sendo resgatada, é o escritor do cacau, é o cordel.

Enfim é muita coisa, é muito rico, é muito especial, é muito lindo. E o mais importante é que isso começa mesmo que ainda de forma muito incipiente, mas já significativa, a impactar na vida do pequeno produtor rural, gerando uma renda extra. Impacta na vida das pessoas equilibrando mais socialmente e fazendo com que esses milhares de habitantes do Sul da Bahia tenham uma mudança de vida, desde a autoestima mais elevada pra que eles possam sonhar, para que possam realizar seus sonhos aí ou em outros lugares, mas com a base, com o alicerce, com o elemento cacau e chocolate presente.

Acho que justifica e justificou todo sacrifício, todas as noites perdidas, todos os investimentos feitos, todas as lágrimas e dores que nesse percurso nós tivemos. Justifica todas as vezes que tivemos vontade de desistir, justifica o sofrimento que passamos para manter essa chama acessa, para manter as pessoas animadas, para manter um produtor, um chocolateiro, um empresário, um colaborador, um parceiro, um expositor, um hoteleiro motivado.

Deixo aqui a mensagem para que não parem de sonhar. Vamos lá! A gente vai conseguir, a gente vai mudar, vamos melhorar a vida dessa região, vamos mudar a vida dessa população, dessas pessoas. Vamos nos orgulhar de ter contribuído com essa mudança pra nossa região, para a Bahia e para o Brasil, porque a gente já pode pensar em mercado internacional, talvez ainda não no volume e no ritmo que gostaríamos, mas podemos pensar sim. Pensar grande e pensar pequeno é o mesmo esforço, vamos pensar grande, a gente não pode parar de sonhar.