Por Wallace Setenta

A cacauicultura sempre esteve sujeita a “crises” contingentes – climáticas, de preços e produção – mas nunca nenhum destes ciclos foi tão abrangente e persistiu tanto tempo quanto o atual. Precisamos entender ou aventar que a atual crise se reveste de maior complexidade em ralação às anteriores, esbarramos em questões que não estávamos habituados a lidar e que ainda não as tínhamos experimentado antes. Foram muitos os fatores negativos que se impuseram. Melhor então, nos faltou a percepção da exata dimensão – social, ambiental, econômica e histórico-cultural – do nosso tempo, da nossa realidade concreta, frente à ameaça dos novos desafios.

Neste extenso período de anormalidades agravou-se a exclusão social; saímos da mais depressiva cotação dos preços do cacau para níveis considerados ótimos internacionalmente; fomos do congelamento à liberação do câmbio; alcançamos os mais baixos preços da terra; atravessamos instabilidades climáticas; instalaram-se novas pragas e novas doenças; assistimos ao desmonte da estrutura comercial/exportadora do cacau; e ao estrangulamento do fluxo de credito bancário [oficial e privado] ao produtor. E mais, a despeito de todo o aparato – técnico/institucional e político – que fomos capazes de instituir, em mais de 250 anos de história, não conseguimos conjecturar alternativas que nos apontassem uma saída sequer por falta de clareza e entendimento coletivo.

As políticas públicas adotadas como solução para crise do cacau, nos últimos 34 anos, tiveram a característica de acentuar os processos da crise instalada, em função da mínima eficiência técnica, associada a nenhuma participação dos produtores e da sociedade regional nas ações propostas: Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira – PRLCB, diversos Planos de Safra (Procacau), Prodefruta, PAC do Cacau e a criação do Conselho de Desenvolvimento do Agronegócio Cacau [Rios, 2010].

Desta forma e em cadeia, instalaram-se diversas micro crises que, somando-se, serviram para incrementar uma crise maior. Contudo não podemos permitir que a pior da crise agrave e avance na concretização de uma “crise ambiental”, esta sim, irreversível e de longo prazo, pois atinge e corroi nosso maior patrimônio – o Bioma Mata Atlântica – e a todos nossos recursos naturais que ela abriga e preserva. Foi neste espaço único de floresta tropical úmida sulbaiana a base da compreensão que consolidou o conhecimento local para a concepção de um novo conceito em agricultura tropical – a CABRUCA, exemplo único de preservação e alternativas socioambientais e técnicas capazes de oferecer os elementos (conservação produtiva, serviços ecossistêmicos e ativos ambientais) apropriados a nos tirar da inércia em que nos encontramos e, por consequência, dispor de conceitos e alternativas para uma nova cacauicultura.

Percorrido este longo caminho é necessário e absolutamente urgente que a sociedade regional aprofunde o debate sobre qual agricultura (cacauicultura multidiversa) e que espaço rural ela deseja, sobretudo enquanto detentora desse Patrimônio Natural, Social e Cultural da Humanidade do qual é preciso assegurar a sua integridade e reprodução.
Sendo assim podemos imaginar uma “REVOLUÇÃO AMBIENTAL”, – em contraponto à famigerada “Revolução Verde” -, comprometida com um crescimento saudável, acompanhado da geração de emprego e inclusão social em harmonia com o meio natural, aberto a boas relações institucionais, entendida a partir da lógica das necessidades e não somente do mercado, refletindo diretamente sobre os valores de uso sem passar pelos valores de troca. [Sachs, 2005].

Que podemos fazer? Aprofundar e ampliar a reflexão sobre estas alternativas de “desenvolvimento integral da agricultura regional”, a estagnação deste importante vetor de crescimento não serve a nenhum propósito, cabe ao Estado, em partilha com a sociedade regional, promover e mediar a discussão, induzir as mudanças e construir um projeto possível voltado para o futuro.

Com respeito e conhecimento devemos buscar o entendimento e a compatibilizar interesses para superação deste estado de coisas. Será esta uma crise terminal, ou apenas a passagem para uma nova cacauicultura? Se não tivermos clareza e vontade, seremos todos perdedores.

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Wallace Setenta é Engenheiro Agrônomo e Diretor do Sindicato Rural de Itabuna