Na semana em que o mundo comemorou o Dia dos Oceanos (8 de junho), as práticas impactantes nas zonas costeiras de Ilhéus chamaram, mais uma vez, atenção de pesquisadores e membros de movimentos sociais de defesa do meio ambiente. Com quase 100 quilômetros de praias, o município registra um alto índice de poluição das águas e acúmulo excessivo de lixo deixado pela população que frequenta a orla, além da drenagem pluvial dos diversos rios que desembocam na área urbana.

O presidente do Grupo de Amigos da Praia (GAP), Gabriel Macedo, lamenta o descaso do poder público com a Praia da Avenida, um dos patrimônios mais lindo de Ilhéus. “Poucos lugares no planeta têm uma praia praticamente virgem no centro da cidade, porém o estado dela é lastimável. Dejetos que chegam diariamente do rio e a falta de zelo nos afetam drasticamente. Transitar para a praia é uma luta, pois não existe quase nenhum acesso com segurança. O matagal já tomou conta, atraindo marginais e sujeiras durante os escassos caminhos. Uma praia tão linda, abandonada e castigada por falta de vontade política”, declara o ativista e professor de surf.

Gabriel Macedo pontua que desde 2018, quando o GAP foi criado, os voluntários já retiraram mais de 50 toneladas de lixo das praias da Avenida e da zona sul. “Para muitos, parece que estamos ‘enxugando gelo’, mas vemos que nosso trabalho não está sendo em vão. O ideal seria uma fiscalização rígida, somada a ações de educação ambiental e investimentos sanitários em todas as cidades localizadas às margens dos rios que deságuam em Ilhéus. Enquanto a população não se conscientizar de que o lixo criado por nós é responsabilidade de todos, o futuro dos nossos filhos e netos será bem complicado”, acrescenta.

As questões sinalizadas pelo presidente do GAP coincidem com a visão da pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), mestre Tauane Winny Silva de Jesus e sua orientadora, doutora em Engenharia, Tatiane Benvenuti, voluntária do GAP e professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Inovação e Modelagem em Materiais e do curso de Engenharia Química, ambos da Uesc. Elas asseguram que, apesar de não haver ainda um estudo para quantificar, caracterizar e identificar as fontes geradoras de lixo nas praias de Ilhéus, é possível afirmar que, em sua maioria, os resíduos são oriundos de usuários da praia, trazidos pela drenagem pluvial da cidade feita por redes irregulares de esgoto ligadas aos córregos e descarte de resíduos domésticos que atingem os rios da região.

Tauane Silva, que desenvolveu tese de mestrado sobre o aproveitamento de resíduos plásticos encontrados nas praias de Ilhéus, chama atenção para o fato que só no Brasil 7,1 milhões de toneladas de plásticos foram produzidos em 2021, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria do Plástico. Como a maior parte dos produtos feitos de materiais poliméricos é de descartáveis, de uso único ou de curta vida útil, o volume de resíduo gerado é exorbitante. “Nas praias avaliadas em Ilhéus (Avenida, do Sul e do Malhado), os itens plásticos mais recorrentes foram potes de margarina, copos descartáveis, embalagens de refeições e embalagens de produtos de limpeza, canudos plásticos, hastes de cotonetes, garrafas PET, tampas, entre outros”.

Ambas concordam que Ilhéus está com vários anos de atraso para revisar seu plano diretor. “É neste momento que se pode pensar o uso e as atividades mais adequadas para cada área da cidade. Ações conjuntas do governo e da população podem surtir efeito. Movimentos sociais, ONGs, associações de bairros, de comerciantes, de serviços de turismo e grupos como o movimento Preserva Ilhéus, que surgiu em 2020, em função dos cortes de árvores na região central da cidade, têm se envolvido nas sessões públicas para o plano diretor, para buscar soluções para Ilhéus”.

As pesquisadoras assinalam que é preciso respeitar as normativas nacionais, da Marinha e do Ministério do Meio Ambiente (Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro) na região costeira. “Além disso, definir outras normas locais, mais restritivas, se necessário, para garantir a proteção da área, seu solo, vegetação e animais que ali vivem ou migram para se reproduzir. É necessário conscientizar os cabaneiros, o setor de comércio e turismo, a indústria da construção civil, o setor imobiliário e toda a população dos riscos associados à ocupação inadequada. Quando existe deficiências de saneamento, já se pode esperar a contaminação das areias e da água do mar, de peixes e outros pescados, que se tornam impróprios para consumo. Dermatites e outras doenças relacionadas aos poluentes também podem ocorrer. Temos o exemplo de Balneário Camboriú-SC, com o sombreamento da praia, e em Ilhéus, relacionado à construção do porto, o avanço das águas nas praias do Norte, destruindo residências e pontos comerciais. Para os diferentes casos, a solução envolve ação política e pública, com conscientização ambiental”, conclui Tauane.

 

Problema regional

É senso comum que Ilhéus deve criar um plano para desfrutar das belezas litorâneas sem ameaçar a fauna marinha. A mestre Tauane considera que o primeiro passo seria garantir saneamento básico em toda a cidade, associado à fiscalização ambiental e acompanhado de ações educativas e de conscientização ambiental da população. “Assim, seria um conjunto de iniciativas formado pela coleta seletiva, campanhas de compostagem, estímulo a cooperativas de recicladores, investimentos em esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos, limpeza e pontos de coleta nas praias. Desenvolver e fomentar plantas de reciclagem e investir em inovação tecnológica para promover a reutilização dos resíduos são caminhos para promover a preservação do ambiente, e ainda, a criação de empregos e a geração de renda no município.”

O vereador (Cidadania) e voluntário do GAP, Vinícius Alcântara, também destaca os danos causados às zonas costeiras de Ilhéus pela falta de saneamento nos municípios banhados pelos rios que desembocam na cidade. “O lixo nas praias é uma preocupação constante não só em Ilhéus mas no mundo inteiro. Aqui, tem esse agravante gerado pelas cidades vizinhas. É imenso o volume de dejetos que chegam principalmente pelo Rio Cachoeira, cuja bacia hidrográfica é formada por dez municípios do Sul da Bahia. Somente em Itabuna, por exemplo, 80% do esgoto produzido pela cidade é despejado diariamente no rio sem o devido tratamento”, lamenta o ambientalista.

Vinícius Alcântara também comenta sobre os constantes alertas de praias impróprias para banho em Ilhéus feitos pelo Instituto do Meio-Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), por meio de boletins diários. O diagnóstico das condições de balneabilidade é obtido mediante o recolhimento de amostras nas praias. O órgão sempre desaconselha banho de mar em áreas próximas à saída de esgotos, desembocadura dos rios urbanos, córregos e canais de drenagem.