Por Carlos Eduardo Sodré

Para D. Amália, Nestor, Marcio, Lucília e filhos.

Faz um bom tempo que o Brasil e a Bahia vêm perdendo importantes e valorosas figuras de seus já reduzidos e pauperizados quadros de homens públicos. Se isso nos entristece sob o prisma do que cada qual deles representa como ser humano, nos desalenta pelo cruel desfalque que vamos sofrendo, agregando à saudade a angustiante constatação de que esse empobrecimento ensejado pela saída de cena de homens públicos valoro-sos e exemplares nos remete à constatação de que representa um declínio irrefreável pela só razão de que o nosso estoque de homens de valor cada vez mais resvala apara o zeramento.

Tenho registrado em pobres artigos essas perdas irreparáveis, ressaltando, além das qualidades exponenciais daqueles que perdemos e, por causa disso, do esmaecimento da própria qualidade da vida pública, outrora opulenta, o quanto me aflige essa conclusão desoladora. É até curial dizer-se, ainda que simploriamente, que “já não se fazem homens públicos como antigamente”!..

Não é por outra razão que deploramos as perdas dos nossos exemplares de grandes homens que tanto enriqueceram a vida de nossa terra, como acaba de ocorrer, com o exício de MARCELO DUARTE cuja inteligência invulgar, cultura geral e jurídica sólidas, integridade de homem retilíneo, era exemplo de dignidade única e caráter irrepreensível.

Em Marcelo – por onde iniciei o meu relacionamento com a família – ao lado dos predicados com os quais enobreceu a vida pública baiana, conviviam a intrepidez e firmeza com as quais enfrentou os dias de chumbo que assinalaram o último período autoritário e obscurantista da história do país e que embasaram a valentia cívica com que se exercitou na atividade política, arrostando riscos e momentos tempestuosos que lhe valeram a cassação do mandato do deputado estadual (legislatura 1967/71) ceifado pela violência do AI-5 e a brutalidade da retirada ex-abrupto  da cátedra universitária de onde, com brilhantismo inexcedível, o constitucionalista apurado formou múltiplas gerações que desde mais tempo ocupam importantes funções na judicatura, no ensino universitário, no ministério e defensoria públicos, nos parlamentos e funções executivas do nosso estado e do Brasil.

Por seu conhecimento, tão elevado que era, Marcelo Duarte fez-se, por mérito, procurador municipal, Procurador Geral de Justiça do Estado, Secretário de Justiça e, por sua honradez, requisitado em momentos difíceis ou delicados da vida política soteropolitana para ser, como o foi, seu vice-prefeito. Na vida partidária – sempre nas trincheiras da resistência democrática – integrou o velho MDB e reeditou a valentia cívica do velho Nestor Duarte, seu pai e inspiração permanente. Cumpria, nisso, os vaticínios de quem, o vira despontar, estoicamente, na liderança estudantil na velha Faculdade de Direito da UFBA, onde presidiu o Centro Acadêmico Rui Barbosa. E na OAB, onde pontificou com reluzente contribuição.

Preso e cassado pelo despotismo, resistiu dignamente. Nunca se apequenou e jamais destilou o fel comum aos que são alvejados pelas vicissitudes. Houvera aprendido desde cedo com o velho Nestor Duarte – figura imorredoura da memória política baiana – a pautar-se no lema que cultivava o valoroso progenitor, transmitido ao filho primoroso, de que sempre deveria “ganhar sem orgulho e perder sem desespero”.

Muito ouvi, sempre, de vários amigos comuns, a exemplo do meu saudoso compadre Gabino Kruschewsky – seu colega na Faculdade e de bancada no parlamento baiano; do integérrimo Virgildásio Senna – amigo desde o velho Nestor; ou de Ubirajara Brito – que ainda neste domingo, contava-me sobre Marcelo, a respeito de seus dias de exílio em Paris, onde múltiplas vezes, além de recebê-lo com a família quando ali aportou, dividiram mesas de longos e ricos diálogos regados de erudição, de esperança e de saudades da pátria comum.

Marcelo Duarte era um misto de guerreiro que, cavalgando as boas causas e os sentimentos de justiça, de igualdade e democracia, nele resplandecia invariavelmente a candura do homem generoso com todos, máxime no seio da família a que amou de forma extremosa e devotada.

Pelo que foi e como se exerceu, granjeou o respeito e a admiração de seus concidadãos, contemporâneos ou não. Jamais rendeu vassalagem a ninguém. Nunca fez a inflexão dos bambus, em gestos de bajulação. Por isso, ereto, altivo e digno, tombou como um jequitibá moral. Com direito a lugar de respeito e destaque no panteão de honra dos grandes homens da Bahia.

Carlos Eduardo Sodré é advogado.

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