Adylson Machado

Adylson MachadoQuando por aqui espocam denúncias envolvendo as mais diversas formas de “consumo” do dinheiro público – semantização que se impõe para a palavra corrupção, para amainar o seu significado, a considerar que nada acontece a quem surrupia recursos do erário – donde negar merenda escolar se torna lugar comum, ficamos a imaginar se há saída para a Humanidade tendo este rincão como paradigma. Terra onde a Ética tem sobrevivido apenas nas lições da academia, ditada por enojados em vivê-la a um punhado de cansados em ouvi-la.

Despertamo-nos, no entanto, com lições que podem afirmar o contrário, ainda que uma cultura macunaímica insista em nortear a nossa “construção”.

O texto abaixo é trecho de uma correspondência, circulando pela internet, enviada por um imigrante vietnamita, trabalhando como soldado em Fukushima, no Japão:

“Irmão querido, houve um incidente realmente tocante que envolveu um garotinho japonês que ensinou um adulto como eu uma lição de como se comportar como um verdadeiro ser humano. Ontem à noite fui enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização de caridade a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa que ia longe. Vi um garotinho de uns 9 anos. Ele estava usando uma camiseta e um par de shorts.

Estava ficando muito frio e o garoto estava no final da fila. Fiquei preocupado se, ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele. Ele disse que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai trabalhava perto e estava se dirigindo para a escola. O garoto estava no terraço do terceiro andar quando viu a tsunami levar o carro do seu pai.

Perguntei sobre sua mãe. Ele disse que sua casa era bem perto da praia e que sua mãe e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram. Ele virou a cabeça para limpar uma lágrima quando perguntei sobre sua família.

O garoto estava tremendo. Tirei minha jaqueta de policial e coloquei sobre ele. Foi ai que a minha bolsa de comida caiu. Peguei-a e dei-a a ele. “Quando chegar a sua vez, a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha porção. Eu já comi. Por que você não come”?

Ele pegou a minha comida e fez uma reverência. Pensei que ele iria comer imediatamente, mas ele não o fez. Pegou a bolsa de comida, foi até o início da fila e colocou-a onde todas as outras comidas estavam esperando para serem distribuídas.

Fiquei chocado. Perguntei-lhe por que ele não havia comido ao invés de colocar a comida na pilha de comida para distribuição. Ele respondeu: “Porque vejo pessoas com mais fome que eu. Se eu colocar a comida lá, eles irão distribuir a comida mais igualmente”.

Quando ouvi aquilo, me virei para que as pessoas não me vissem chorar. Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de 9 anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior, deve ser uma grande sociedade, um grande povo.

Bem, envie minhas saudações a sua família. Tenho que ir, meu plantão já começou.”

Ha Minh Thanh

Enquanto o menino japonês estoicamente divide o pouco que recebeu – praticando a lição que a cultura de sua gente ensinou – por aqui roubam escancaradamente o remédio dos doentes, como tiram das crianças a merenda que deveria contribuir para melhorar o seu desenvolvimento físico e intelectual, políticos se vocacionam patrimonialistas e a Justiça quando se ensaia o é para beneficiar ladrões do colarinho branco.

E não há quem tome uma providência! Só a Divina, para os que Nela ainda acreditamos! Razão por que aprender e esperar se torna determinação filosófica em busca de um legado para futuras gerações.

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Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum