Por Arnold Coelho

A história da humanidade mostra que as primeiras civilizações se formaram às margens de grandes rios. Enquanto viveram como nômades, os seres humanos não tinham moradia fixa e se dividiam em grupos, onde os homens caçavam e as mulheres coletavam frutas; eles só permaneciam no local enquanto tinha alimento.

Com o desenvolvimento rudimentar da agricultura e a pecuária o homem foi forçado a habitar e se fixar em regiões com água e consequentemente passaram a se estabelecer e viver próximos de rios.

Com o homem colonizando margens de rios, surgiram países e cidades como a Cidade do Cairo, no rio Nilo (Egito); a Jordânia, Palestina e Israel, no rio Jordão; os rios Tigre e Eufrates cortavam a antiga Mesopotâmia, hoje Iraque e Kuwait, e os rios Indo e Ganges, na Índia, e Amarelo e Azul na China são alguns exemplos.

No Brasil a história não foi diferente. O país tem 5.570 municípios e parte dessas cidades nasceram próximas a algum rio, ribeirão, estância térmica ou mineral e ou a beira-mar. O nosso Nordeste tem centenas de exemplos e o rio São Francisco é a prova maior da ligação entre o homem e a água. Quantas cidades nasceram nas margens do Velho Chico?

Apesar de vivermos em um país com dimensões continentais – o Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial – com uma área de 8.547.403 km², boa parte de toda essa terra já tem dono, sobrando pouca coisa para a grande maioria do povo brasileiro, que vive toda uma vida pagando aluguel ou se arriscando em áreas de risco (morros, mangues e beiradas de rios) onde terminam construindo a sua moradia.

Eu mesmo já fiz parte dessa triste realidade, pois no início da minha vida adulta construí um barraco de 4×5 metros (20m²) na margem esquerda do rio Cachoeira, sentido Ilhéus, em uma localidade ribeirinha então chamada ‘Chiqueiro’, no bairro de Fátima, em Itabuna, e sofria a cada chuva forte que acontecia e as águas do Cachoeira começavam a subir. Eu já fui por mais de dois anos um homem ribeirinho.

Por que o homem ribeirinho constrói sua moradia nas margens dos rios? Por seguir o instinto de sobrevivência, sabendo ele que ali tem água, terra fértil e alimento? Ou esse mesmo homem corre para as beiradas dos rios por serem terras sem donos, “protegidas pela Marinha brasileira” e ele não sofrerá nenhum tipo de ameaça de despejo momentâneo?

Quando se busca na lei algo sobre essas margens e suas proteções a coisa fica dúbia. A nossa Constituição de 1824 já foi revisada por seis vezes (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) e o assunto sempre ficou obscuro e incerto, o que mantém os grandes latifundiários distantes dessas áreas de rios, diferente da grande população pobre, que percebeu que essa faixa de terra de 33 metros é ‘intocável’ e se alojam de forma indevida.

Aqui em Ibicaraí a história da nossa cidade não foi diferente. Os nossos desbravadores quando aqui chegaram se estabeleceram na margem do rio Salgado e de imediato fizeram um cercado com o plantio de algumas culturas e a criação de animais e na sequência um pequeno ponto comercial para segurar os tropeiros que por aqui passavam.

Mais uma vez a história ‘imitou a história’ e os grandes latifundiários adquiriram grandes faixas de terra em nossa região, sobrando para o povo que chegou depois, aquela bendita faixa de 33 metros que são citadas em todas as sete constituições federais, como áreas de proteção da Marinha.

O resto da história é figurinha repetida! No final de dezembro passado Ibicaraí ficou entre as mais de 150 cidades baianas que sofreram com as fortes chuvas. É importante lembrar que o maior prejudicado com a enchente de final de ano foi mais uma vez a população ribeirinha, que infelizmente vive nessa “faixa 33” de ‘terra de ninguém’ ou ‘terra sem dono’.

Arnold CoelhoUm ex-morador ribeirinho