Por Daniel Thame (para Odilon Pinto)

“Querido Odilon, essa carta chega até você molhada pelas lágrimas de saudade, mas também de gratidão.

Ah, Odilon. Você nem imagina quantas e quantas vezes nós sentava em torno do rádio, tomando o café, pra ouvir seu programa e principalmente o quadro Vida na Roça.

Eram histórias de amor, de tristeza, da vida dura no campo, mas também de momentos felizes que só você sabia contar. Porque você era um de nós, Odilon.

Nós só ia pras roças de cacau depois que seu programa terminava e já ficava esperando o dia seguinte.

A vida na roça nunca foi fácil para o trabalhador, mas nós vivia com dignidade, fome ninguém passava. E tinha as festas, de Reis, de São João, de Natal, o povo todo das fazendas se reunia e era uma alegria de dar gosto…

Uma vez no Natal eu levei um leitãozinho pra você lá na Rádio Jornal, você me recebeu na maior simplicidade e ainda me agradeceu na rádio.

E todo mundo ouviu, Odilon, porque não tinha fazenda nesse mundão de Deus que não tivesse um rádio só pra ouvir você.

Ah Odilon, que saudade desse tempo.

Depois veio essa desgraçada da vassoura de bruxa e tudo mudou pra pior. O cacau praticamente acabou, nós ficou perdido porque pra nós o cacau nunca iria acabar.

Odilon, muitos companheiros perderam o emprego, famílias inteiras ficaram sem rumo. Teve até Tonho, pai de cinco filhos, trabalhador retado, que mergulhou na cachaça e um dia se atirou no Rio Pardo, pra nunca mais voltar.

Teve Zeca, que pegou a família e foi pra São Paulo com quase nenhum dinheiro e não mandou mais notícias. Teve Maria, que foi abandonada pelo marido, se trancou em casa com os três filhos pequenos e passou a viver do pouco que nós conseguia levar.

Tanta gente que partiu, Odilon.

Odilon, eu fiquei na roça. De teimoso, porque aqui é meu chão. Virei meeiro, trabalho muito e divido os ganhos com o dono da fazenda. Pra você eu posso contar; dois filhos meus foram pra Itabuna. Um trabalha no comércio, casou, leva uma vida simples, mas é uma pessoa de bem.

O outro, Odilon, se meteu com uma tal de droga, já foi preso, vive em confusão e só de falar dá um aperto no coração. Minha véia é só que chora e ora o tempo todo pra Deus tirar ele desse caminho.

Odilon, acho que tô me alongando demais.

Quero encerrar essa carta dizendo uma coisa do coração.

Você nos deixou, a vida na roça tá em silêncio, mas nós tem certeza de que a partir de agora os anjos, santos e até Deus vão parar todas as manhãs pra ouvir você contando causos da Vida no Céu.

Daniel Thame é jornalista.