Por Domingos Matos

Quem, depois de quase dois anos de pandemia, em que a vida ficou em suspenso, ainda lembrar o que era o serviço público de transporte coletivo em Itabuna vai ter uma ideia do prejuízo que o Município de Itabuna – leia-se “o povo itabunense” – vem arcando para ter um serviço capenga como o atual. Mas esse pandemônio não se encerra nesse ano. A arapuca foi montada para pegar ainda mais dinheiro público quando o próximo contrato for licitado. Falaremos abaixo. Por enquanto, convém entender como chegamos aqui.

Após ter sido decretada a pandemia mundial do coronavírus, quando a demanda por transporte caiu drasticamente, as duas empresas que operavam o sistema, a São Miguel e a Sorriso, ofereceram à prefeitura um acordo visando manter uma operação, com 40 a 50 ônibus, a um custo de aproximadamente R$ 1,4 milhão por mês. O melhor dessa proposta era que seriam mantidos os cerca de 600 empregos que as duas companhias geravam. O prefeito Fernando Gomes não aceitou.

Para 2021, com a proposta ainda vigindo, o Poder Concedente, agora sob o prefeito recém-eleito Augusto Castro, decidiu contratar a atual empresa Atlântico para operar o sistema, por um valor muito maior do que inicialmente proposto pelas duas empresas que já faziam a serviço: aproximadamente R$ 2 milhões por mês.

Só que essa proposta tinha um custo operacional muito menor, já que reduziria o número de funcionários a menos da metade – cerca de 250 trabalhadores. A mão-de-obra representa 55% do custo do transporte coletivo. Se fizer as contas… Outra diferença era o uso de micro-ônibus, que também tem um custo operacional muito menor do que um ônibus comum. Ganha-se mais (contrato maior) e paga-se menos (custo menor). Logo, o lucro explode.

A arapuca

Mas a arapuca não está nesse emaranhado de contas que acabam por premiar uma empresa com um lucro maior, sendo que ela tem um custo menor de operação. O que vai, no futuro, pegar a todos pelo bolso é o descontrole do que sempre foi o Calcanhar de Aquiles do serviço público de transporte coletivo: as gratuidades. Virou uma festa, tanto que, embora o serviço esteja horrível para todos, não se veem instituições como associações de deficientes físicos, nem as de idosos, reclamando do transporte coletivo.

Esse aparente descontrole sobre as gratuidades, que se justifica como consequência de um contrato emergencial, é, na verdade, uma forma – intencional ou não – de criar as bases elevadíssimas para a futura licitação do serviço. O caos favorece aos mais espertos, sempre. Ninguém tem interesse em controlar esse passivo, a começar pela Atlântico, uma vez que o seu contrato reza que toda vez que a catraca não atingir o valor mínimo contratado, a Prefeitura (o povo) vai bancar o subsídio.

Um exemplo: se em determinado mês, independente do número de passageiros transportados, o valor apurado na catraca (passe estudantil, vale-transporte e dinheiro) não atingir o valor do contrato (os tais +/- R$ 2 milhões), teremos que pagar essa diferença. O grande lance é: ninguém está com as rédeas da situação nas mãos. A empresa não fiscaliza as gratuidades porque seu lucro é garantido pelo subsídio que a prefeitura dá. E a prefeitura não fiscaliza porque não quer fiscalizar.

Mas esse passivo de gratuidades desenfreadas vai aparecer, em breve, como custo fixo para a futura empresa – quem garante que não será a atual? – elevando o valor do contrato e fazendo que o custo de operação comece lá nas alturas. Quem pagará a conta?

Em breve, mais comentários sobre a relação do transporte com a prefeitura e as consequências para a população.