Após terem passado um bom período estudando de forma remota, por conta da pandemia da COVID-19, crianças e adolescentes finalmente retomaram os estudos de forma presencial.  A expectativa da volta às aulas em ambiente e rotina normais foi grande por parte dos alunos, pais e professores.

Sabemos que durante o tempo de confinamento, em que muitos alunos ficaram em casa, foi inevitável que eles fizessem uso de aparatos tecnológicos como videogames para se distraírem e de computadores, smartphones e tablets, para poderem assistir as aulas de forma remota. Acontece que o contato constante dos olhos com essas telas, pode causar problemas sérios de visão.

Pensando nisso, convidamos a médica oftalmologista, *Dra. Larissa Andrade Kowalski, que é cirurgiã e responsável pelo serviço de córnea e pela unidade de cirurgia refrativa (UCR) do Hospital Beira Rio, para falar sobre a importância de os pais levarem periodicamente os filhos para uma consulta oftalmológica, uma vez que na idade escolar são comuns alguns problemas de visão. Confira abaixo a entrevista.

O Trombone – A partir de qual idade os pais devem levar os filhos para uma consulta oftalmológica?

Larissa Kowalski – Os cuidados com a saúde ocular da criança devem começar ainda no pré-natal, quando é possível detectar e controlar doenças nas gestantes, como toxoplasmose, sífilis e herpes, que colocam em risco a visão do feto. Já no pós-parto, todos os recém-nascidos precisam passar pelo teste do olhinho, ainda na maternidade, um exame essencial para investigar alterações que exigem intervenção, tais como catarata congênita (maior incidência em bebês cujas mães tiveram infecção) e glaucoma congênito (um sinal é a fotofobia), além do retinoblastoma (tumor na retina, área que é responsável pela formação das imagens). Independente do teste do olhinho, faz-se necessária uma avaliação oftalmológica entre 4 e 6 semanas de vida, onde um mapeamento de retina pode ser crucial, principalmente nos bebês prematuros, a fim detectar e tratar retinopatia da prematuridade.

OT – A consulta oftalmológica pode ser feita de quanto em quanto tempo em crianças?

LK – Até completarem 2 anos de vida, os bebês, com sintoma ou não de problemas de vista, devem ser levados a esse profissional, idealmente a cada seis meses. Após essa idade, se estiver tudo bem, a criança deverá ser examinada anualmente até os 10 anos. Tudo isso porque o desenvolvimento visual que ocorre durante os primeiros 7-8 anos de vida e detecção e correção precoce de qualquer patologia ou erro de refração (miopia, hipermetropia, astigmatismo), a fim de evitar um prejuízo que pode ser irreversível e comprometer o rendimento escolar e até uma vida laboral futura.

OT – Quais são os problemas de vista mais recorrentes em crianças no período escolar?

LK – No período escolar observamos mais os casos de miopia, hipermetropia e astigmatismo, mas também existem os casos de estrabismo (desvio ou desalinhamento ocular), alergia ocular e ambliopia. Uma atenção deve ser redobrada, especialmente em um cenário de isolamento social devido à pandemia, no qual as crianças e os adolescentes têm passado mais tempo utilizando computadores, tablets e celulares, comportamento que foi acentuado com as aulas a distância. Além do aumento da exposição à luz azul nociva, emitida pelas telas, temos a diminuição do piscar (que deve ocorrer cerca de 15 a 20 vezes por minuto para manter a lubrificação adequada dos olhos), e ainda a permanência da criança em estado continuo de acomodação, pelo uso da visão de perto (estimulando o processo de miopização).

Outra patologia cada vez mais diagnosticada no fim da infância e começo da adolescência é o ceratocone, mais comumente crianças alérgicas e que coçam muito os olhos. Trata-se de uma doença que atinge a córnea, uma espécie lente natural que protege o olho, deixando-a mais curva e fina e piorando progressivamente a visão destes adolescentes. Hoje, ainda é a maior causa de transplante de córnea no mundo.

OT – Existe uma faixa etária do público infantil onde a demanda de problemas oculares seja maior?

LK – Na verdade, não é só porque há uma demanda maior nessa idade, mas porque o prejuízo visual quando o problema ocorre nessa fase pode ser grande, pois não nascemos com a função visual desenvolvida, isso ocorrerá na primeira infância e qualquer intercorrência visual neste período pode atrapalhar esse processo e comprometer esse desenvolvimento para sempre. Segundo a OMS, 1,4 milhão de crianças no mundo apresentam perda de visão em algum grau, a maioria em regiões carentes do planeta. Porém, 80% desses casos poderiam ser evitados ou tratados com melhores resultados em uma consulta ao oftalmopediatra.

OT – Como identificar se alguma criança está com problemas de visão em sala de aula?

LK – Na escola, o professor deve observar se a criança tem dificuldade em ler o quadro, em diferentes posições (mais próximo ou mais afastado), se troca palavras ou letras (“C “com “O”, “E” com “B” … pode ser sinal de astigmatismo), se aperta os olhos para ler, ou fecha um dos olhos, se a claridade da sala incomoda demais, ou se faz posição de cabeça (vira a cabeça de lado para tentar enxergar). Outros sinais importantes são a queixa frequente de dores de cabeça e a queda do rendimento escolar.

OT – De que forma os pais e professores podem ajudar nesse processo?

LK – Além de sinalizar a família qualquer queda do rendimento escolar ou suspeita de que a criança está com dificuldade em ler ou acompanhar o restante da turma, é importante que tanto as escolas quanto as famílias ofereçam mais tempo de atividades ao ar livre às crianças — essa atitude também é bem-vinda à saúde ocular. Pesquisas recentes sugerem que a luz do sol ativa a produção da substância dopamina (um mensageiro químico que atua no sistema nervoso) que, entre outras funções, atua para evitar o crescimento além do normal do globo ocular, reduzindo, assim, o risco de miopia ou piora desse erro refrativo. Outras investigações indicam que a luz do sol estimula a fixação de vitamina D, que também parece ter um papel fundamental na visão.

OT – Quais são as dicas que você pode dar para evitar que a criança seja prejudicada nos estudos por conta da visão?

LK – A primeira seria o acompanhamento oftalmológico regular no intuito de tratar qualquer distúrbio que possa comprometer a qualidade e /ou quantidade de visão da criança. Com isso resolvido, tentar equilibrar situações que estão cada vez inseridas no cotidiano das crianças e adolescentes como o uso de tablets, celulares, computadores e videogames. A diminuição do tempo diante das telas também é a orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que, em meio à pandemia, reiterou a necessidade, mesmo durante a quarentena, do controle por parte dos pais ou responsáveis sobre as horas passadas pelos seus filhos em dispositivos digitais. Além, de que é extremamente necessário controlar as alergias oculares (geralmente associadas a alergias respiratórias), para que o ato de coçar os olhos (danoso em tantos aspectos) não seja estimulado.

*Dra. Larissa Andrade Kowalski – CRM 18291 – Especialista em córnea, catarata, cirurgia refrativa e lentes de contato pela Universidade Federal de São Paulo