É um tema difícil para algumas pessoas porque muitos pensam que falar sobre esse tema é falar de morte. Não é. Falar de prevenção ao suicídio é falar de VIDA, falar de cuidado, de resiliência, de bem-estar…”

Abrimos essa entrevista com uma frase da psicanalista e psicóloga Raquel Rocha. Ela aceitou o nosso convite para falar sobre um tema complexo, o suicídio, mas que precisa ser abordado e refletido com delicadeza, de forma que possa trazer esperança e luz para as pessoas que estão vivendo o problema. O ato de tirar a própria vida é algo que tem sido muito recorrente nos últimos tempos. É como se fosse uma válvula de escape para muitos indivíduos que não conseguem lidar com suas próprias emoções e enfrentar seus medos e problemas. É preciso investigar a causa do pensamento suicida.

As pessoas que passam por isso, em sua maioria, não sabem que é possível tratar e reverter esse quadro. Sim, é possível buscar ajuda e tratamento com os profissionais adequados e ter a família como rede de apoio durante esse processo. O suicídio pode ser evitado. Ao contrário do que muita gente imagina, a psicanalista acredita que o suicídio é um apelo à vida. Acompanhe agora a entrevista na íntegra:

O Trombone – Você pode definir o que é o suicídio?

Raquel Rocha – De acordo com a Organização Mundial de Saúde o suicídio resulta de um ato deliberado, iniciado e levado a cabo, por uma pessoa com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado fatal.  Essa definição é importante porque, muitas vezes, as pessoas rotulam atos perigosos como suicídio, a exemplo de pessoas que dirigem em alta velocidade, usam quantidades abusivas de drogas, nadam em um rio com muita correnteza e nesses casos é necessário verificar a intencionalidade do resultado fatal para classificar como suicídio.

OT – O que pode desencadear o comportamento suicida em uma pessoa?

RR – Os Transtornos Mentais estão entre os principais fatores de risco. De acordo com a OMS a maioria das pessoas que cometeu suicídio tinha um transtorno mental diagnosticável e não estava recebendo tratamento adequado. Entre os principais transtornos que, se não tratados, podem levar ao suicídio estão a depressão, o transtorno bipolar, a esquizofrenia, o transtorno de personalidade borderline assim como o abuso de álcool e outras drogas.

Algumas situações da infância como perdas parentais, dinâmica familiar conturbada e histórico de abuso físico ou sexual também podem aumentar os riscos. Aspectos da personalidade como pessimismo, impulsividade agressividade, individualismo e baixa resiliência são agravantes. Por último, encontramos os fatores de riscos referentes às situações pelas quais a pessoa está passando na fase atual da sua vida como: término de relacionamentos, perdas de entes queridos, desemprego, dificuldades financeiras, violência sexual, conflitos familiares, doenças incapacitantes, dores crônicas e solidão. É importante ressaltar que o suicídio é um fenômeno multifatorial e normalmente ocorre devido a associação de dois ou mais fatores de riscos.

 

OT- Existe algum fator genético ou de cunho emocional?

RR – Sim, os estudos apontam que há um componente genético significativo que aumenta a predisposição para as tentativas de suicídio. Os aspectos emocionais resultantes de situações de culpa, desamparo, desespero e conflitos com a identidade sexual também aumentam o risco.

OT- Existem grupos mais vulneráveis?

RR – Em relação à idade, os índices de suicídio crescem em paralelo com a idade. É raro na infância, aumenta na adolescência e é um problema grave na terceira idade. Apesar do número de tentativas ser maior entre mulheres, os homens morrem mais por suicídio devido à letalidade dos métodos adotados. Essa é uma realidade mundial, com poucas exceções e, além do grau de letalidade, podemos também refletir sobre a dificuldade do homem em pedir ajuda, buscar tratamento e reconhecer suas vulnerabilidades.

Os homens são mais propícios ao alcoolismo e uso de substâncias psicoativas, que também são fatores de risco consideráveis. Algumas profissões como médicos, agricultores e policiais também apresentam uma taxa mais elevada, provavelmente devido aos estressores da profissão e o acesso à métodos letais. Mais uma vez, é importante destacar que o suicídio é um fenômeno complexo que envolve vários fatores e não pode ser explicado de forma simplista, baseado em apenas um fator de risco, seja histórico familiar, profissão, ou qualquer outro.

OT- Quais são os sinais principais de que alguém esteja planeja cometer suicídio?

RR – Sinais verbais como “queria não ter nascido”, “não aguento mais”, “eu quero morrer”, “nada mais importa”, “em breve não serei mais um problema para você” “vou desistir de tudo”, “eu sou um peso” precisam ser levados a sério e demonstram a necessidade do acompanhamento profissional, tanto médico quanto psicoterapêutico.

A pessoa que está pensando em tentar suicídio muitas vezes não consegue fazer planos a longo prazo, pode começar a falar em um tom de despedida, organizar algumas coisas, resolver pendências e se isolar. Pouco antes da tentativa ela pode apresentar uma aparente melhora e apresentar-se subitamente alegre. Quando isto acontecer, é importante não deixá-la sozinha.

OT – Como se sente uma pessoa que deseja tirar a própria vida? Quais são as suas angústias e anseios?

RR – É um ato de extremo desespero. Mas quem pensa em se matar, no fundo não quer acabar com a vida, mas com seu sofrimento. Muitos acham que quem pensa em se matar não ama a vida, mas eu acredito no oposto, quem pensa em se matar, ama tanto a vida que não quer vivê-la da forma como está vivendo. O que essas pessoas precisam refletir é que é sempre possível viver a vida de uma forma diferente, enxergar a vida com um novo olhar, encarar cada dia como a possibilidade de recomeço. Situações mudam, feridas cicatrizam e as vezes quando olhamos para um problema muito tempo depois percebemos o quanto ele era pequeno e nos perguntamos porque sofremos tanto com ele. Por isso, agir impulsivamente é o pior caminho.

Os transtornos mentais estão presente em 90% das pessoas que cometem suicídio. Os transtornos mentais são condições tratáveis, logo podemos concluir que o tratamento adequado desses transtornos pode reduzir consideravelmente o número de suicídios. Pesquisas apontam que a maioria das vítimas de suicídio procuraram os serviços de atenção básica antes do ato. Esse é um outro dado que evidencia que quem está pensando em suicídio busca e quer ajuda.

OT- Quais são os profissionais indicados para atender o paciente com risco de suicídio?

RR – Médicos Psiquiatras, psicólogos e psicanalistas. Outros profissionais também podem ser considerados, dependendo dos fatores que estejam causando sofrimento ao sujeito. Em situações de emergência ligue para o número 188 do Centro de Valorização da Vida. Mas não espere para buscar tratamento após uma situação de emergência, o tratamento deve ser iniciado diante dos primeiros sinais de desesperança.

OT – De que forma a família pode ajudar a evitar e até intervir numa situação que identifique a pessoa com pensamento suicida?

RR – A família é uma rede de apoio de fundamental importância na prevenção de tentativas de suicídio. Ela deve estar atenta aos sinais e buscar profissionais especializados para tratamento do familiar em risco. Também deve evitar acesso aos meios letais com os quais o sujeito em risco pode tirar sua vida.

OT- Existem medidas preventivas que possam ser adotadas no sentido de evitar essa catástrofe?

RR – Ter bons relacionamentos com os familiares, receber afeto e apoio, saber que é importante para em seu contexto familiar e ter senso de responsabilidade para com a família é um importante fator de proteção contra o suicídio. Além do bom relacionamento com os familiares, também constituem fatores de proteção ter boas relações sociais, amigos, autoconfiança, capacidade de procurar conselho e de pedir ajuda nas dificuldades, estar aberto a ouvir pessoas mais experientes e adquirir novos conhecimentos. Ter filhos e companheiro ou companheira também constituem fatores de proteção.

É importante que seja trabalhado com esta pessoa o sentimento de valor pessoal, a capacidade de dialogar, o estabelecimento de objetivos na vida, a capacidade de resolução de problemas, a adesão às tradições positivas e a integração social no trabalho, em atividades esportivas e em alguma igreja. A religiosidade é um fator de proteção. Muitos profissionais têm receio de falar sobre espiritualidade, mas, os estudos mostram que práticas de espiritualidade estão associadas a menores taxas de suicídio, ansiedade e depressão.

OT- Inclusive temos um mês simbólico de prevenção e combate ao suicídio, não é?

RR– Sim, temos o Setembro Amarelo. É uma campanha importante. Mas ocorre que se fala muito sobre o tema no mês de setembro e no restante do ano a temática fica esquecida. Por isso, fico muito feliz por esse convite para falar sobre a prevenção do suicídio para além do setembro amarelo.

É um tema difícil para algumas pessoas porque muitos pensam que falar sobre esse tema é falar de morte. Não é. Falar de prevenção ao suicídio é falar de VIDA, falar de cuidado, de resiliência, de bem-estar, de melhoramento das relações, fortalecimento de vínculos, é falar das infinitas possibilidades de viver e saber que cada dia vale a pena ser vivido com coragem, esperança e plenitude.

 

*Raquel Rocha é natural de São Paulo, mora em Itabuna, é Psicanalista, Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Terapia Familiar e Saúde Mental.