Fabrício e Camele

Os cineastas e produtores baianos, Fabricio Ramos e Camele Queiroz, iniciaram em março a produção do filme “A Rua do Cinema Mágico”, cuja narrativa parte de uma história que nem todo mundo conhece: a importância central de Itabuna na história do cinema brasileiro, desde o Cinema Novo dos anos 1960 até a chamada retomada, na década de 1990.

Para Fabricio Ramos, itabunense radicado em Salvador, Itabuna assume um lugar importante, porém nem sempre reconhecido, na história de nosso cinema de maior impacto internacional e importância cultural. Segundo o diretor, “Itabuna teve, de diferentes modos, relações diretas com os filmes de peso na história do cinema mundial, desde ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, do conquistense Glauber Rocha, e ‘Os Deuses e os Mortos’, de Ruy Guerra; até ‘Central do Brasil’, de Walter Salles, que disputou o Oscar de 1998 levando para Hollywood uma história cuja gênese é a vida da itabunense Socorro Nobre”.

Que história é essa?

Fabricio, nascido e criado em Itabuna, conta que viveu grande parte de sua infância e adolescência numa rua que tinha um cinema. “Morei nessa rua até os 10 ou 11 anos de idade, mas nunca me desliguei completamente dela”, diz. Trata-se das redondezas da rua Travessa Francisco Benício, no centro da cidade, onde existia o Cine Teatro Amélia Amado, atualmente um galpão abandonado, e onde morava Socorro Nobre, a mulher cuja história inspirou a narrativa do filme “Central do Brasil”, de Walter Salles, um dos filmes mais premiados da história do cinema brasileiro. 

“Sempre me impressionou pensar naquela rua de Itabuna como uma rua de grande magia e grande tragédia! Lá, fui ao cinema pela primeira vez na vida e, tempos depois, fui às lágrimas quando vi o rosto de Socorro Nobre, que morava ali bem pertinho, no Oscar. A tragédia da vida dela sensibilizou artistas como Frans Krajcberg e o próprio Walter Salles. É o rosto de Socorro Nobre o primeiro a aparecer em ‘Central do Brasil’, disse Fabrício. 

Outros filmes marcos do Cinema Novo também têm histórias, de algum modo, ligadas a Itabuna. “Os Deuses e os Mortos” (1970) de Ruy Guerra, foi rodado nos municípios de Itajuípe, Ilhéus e também de Itabuna. Já “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber, foi financiado por um cacauicultor de Itabuna! Ambos os filmes são marcos do cinema brasileiro. Fabricio conta que a história do filme de Glauber é controversa, mas sabe-se que um dos produtores do filme era Gugu Mendes, filho de João Mendes, um latifundiário grapiúna.

Documentário ou ficção?

Fabricio Ramos e Camele Queiroz dirigiram juntos diversos filmes independentes que, para os autores, se estruturam a partir do método documental, mas valorizam a poética e a expressividade artística do cinema.

Segundo Camele, “o cinema pode ser muitas coisas, há vários cinemas, mas mantemos viva essa visão do cinema como arte, mesmo filmando sob um método documental. Se buscamos o real, é porque a força dramática de nossos filmes vem dessa busca das histórias que a vida mesma oferece. No nosso cinema, a arte consiste em sugerir emoções e não meramente em relatar fatos”.

Fabricio e Camele realizaram filmes premiados e de ampla circulação em festivais internacionais, como “Muros” (2015), que relaciona Brasil e Palestina, e “Quarto Camarim” (2017), longa que estreou no circuito comercial em Salvador e foi exibido em cinemas culturais de quinze capitais brasileiras pela ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, que elegeu o filme para o circuito alternativo de exibição e debates em 2018. Mas os diretores têm também um trabalho ativo na região do cacau: em 2014, filmaram em Ilhéus o curta “As Cruzes e os Credos”, que passou em festivais internacionais, e realizaram em 2016, também em Ilhéus, a mostra Cine Odé – Cinema no Terreiro, que em parceria com o Instituto de Solidariedade Pedro Faria, exibiu filmes culturais dentro do terreiro situado no bairro Alto do Basílio.

“Todo filme que fazemos acontece como um intenso processo de descoberta”, define Fabricio, “e revisitar a rua em que eu mesmo vivi, na cidade onde nasci e cresci, relacionando-a à história do Cinema no Brasil, será uma experiência que expressa bem o nosso cinema: as relações entre a vida e a arte”.

As filmagens estão programadas para acontecerem em abril, em Itabuna. Os realizadores buscam parceiros regionais para viabilizar outras etapas da produção, já que o projeto teve apoio de políticas públicas culturais do Estado da Bahia, tendo sido aprovado por uma comissão especializada. Para os autores, fazer um filme é sempre uma tarefa árdua e desafiadora, mas “por milagre”, brincam, “temos feitos filmes que têm comunicado alguma coisa a cada espectador, segundo nos dizem, impactando muito mais a sensibilidade do que proferindo discursos”.  

Para Fabricio, Itabuna, a sua cidade natal, é o berço de grandes nomes reconhecidos na arte e na Literatura, como Jorge Amado, Hélio Pólvora, Adonias Filho (nascido no antigo Pirangi, mas uma referência também grapiuna). Glauber Rocha era de Vitória da Conquista e “foi citado como ídolo do diretor do filme vencedor do Oscar deste ano. É hora de mostrar que Itabuna também tem sua história profundamente envolvida no espírito do Cinema brasileiro”, brinca o diretor.

“A Rua do Cinema Mágico” será um curta metragem e terá estreia em Itabuna e em Salvador em 2021 em eventos com as presenças dos diretores. “Depois disso”, diz Fabrício, “é torcer para que as pessoas gostem e o filme apareça em muitas telas”.