Pessoas que estavam no Terminal Rodoviário de Itabuna, na manhã de ontem (29), se revoltaram com a ação de um grupo de imigrantes venezuelanos que tentavam, supostamente, vender seus filhos para comprar passagens de ônibus. Em uma denúncia, feita por áudio que circula nas redes sociais, um homem que presenciou o fato afirma que as crianças eram oferecidas por R$ 100 cada. A Polícia Civil, no entanto, negou que o grupo tenha oferecido as crianças em troca de dinheiro. Testemunhas filmaram o momento em que assistentes sociais chegaram até as crianças.

De acordo com o Conselho Tutelar do município, inicialmente, duas famílias de indígenas venezuelanos da etnia Warao desembarcaram na rodoviária de Itabuna, vindas de Jequié, e tinham como destino final a cidade de Vitória, no Espírito Santo, onde teriam uma oportunidade de emprego. A oferta ilegal das crianças tinha como objetivo arrecadar dinheiro para a compra das passagens, mas, de acordo com o Conselho Tutelar, o grupo só queria gerar comoção para conseguir doações.

“Eram três crianças. Infelizmente diziam estar vendendo, mas subentendo que tenha sido a fim de comover a população. Porque de fato eles são muito protéticos com a prole”, explicou a conselheira tutelar Joelma Gonçalves dos Santos, que atendeu o caso.

A conselheira acompanha o caso de imigrantes venezuelanos no município desde abril do ano passado, quando o primeiro grupo desembarcou em Itabuna. “Ocorre que esses venezuelanos estavam na cidade desde esse período relatado, havendo rodízio de pessoas, mas aqui ficaram estabelecidos por todos esses meses. A Secretária de Assistência Social deu suporte e eles foram abrigados em uma casa que denominamos de ‘Abrigo dos Venezuelanos’. Nesse abrigo eles tiveram todo o suporte necessário para a sobrevivência, além de amparo médico e legal”, relatou Joelma.

Contudo, o grupo manifestou o desejo de ir embora do abrigo e partiram para Jequié. De lá, eles migraram para Teixeira de Freitas e uma parte ainda partiu para Vitória, no Espírito Santo.

Segundo a conselheira tutelar, alguns remanescentes que ainda estavam em Jequié e pretendiam chegar a Teixeira de Freitas – para depois seguirem para o Espírito Santo – foram para Itabuna em busca de dinheiro para prover as passagens.

Com os relatos sobre a tentativa de venda das crianças, o conselho tutelar e a polícia foram acionados. Após o atendimento das famílias, a Secretária de Assistência Social de Itabuna arcou com as custas das passagens de ônibus para Vitória (ES) e todos os imigrantes embarcaram às 17 horas desta segunda.

“O primeiro grupo que chegou pela manhã foi de seis pessoas, à tarde chegaram mais 14 e todos foram embarcados”, explicou a conselheira. Antes do embarque, todos foram alimentados. As crianças também viajaram com seus respectivos pais.

O CORREIO também procurou a Polícia Militar, que informou que as informações sobre o ocorrido eram de responsabilidade da Vara da Infância e Juventude do município.

Humilhados e expulsos
No último dia 16 de agosto, indígenas venezuelanos da etnia Warao desembarcaram em Vitória, no Espírito Santo, saídos de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia. O ônibus que os levou à cidade não teve permissão de entrar na rodoviária do município, já que a viagem não estava listada nos itinerários do terminal. A denúncia é de que o grupo teria sido mandado para o estado vizinho pela prefeitura da cidade baiana, que alegou não ter estrutura para acolher os migrantes.

A professora e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vincenzi, está acompanhando o grupo desde a chegada na capital capixaba. “Sempre que eles chegam em um lugar, mandam eles embora”, afirma Brunela.

Ainda no dia 16, os Warao foram instalados em um abrigo provisório em Vitória. Segundo a professora, esse ir e vir entre cidades brasileiras tem sido rotina para o grupo há cerca de dois anos, segundo evidenciam documentos que os indígenas apresentaram.

“Eles entraram por Pacaraima (Roraima), na fronteira com a Venezuela. São todos documentados, têm pedido de refúgio, CPF, todos os documentos”, diz Brunela. A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes é também pesquisadora e acrescenta que já estudava a etnia Warao. Ela ainda explica que eles são um povo originário do norte da Venezuela, que viveram por muito tempo isolados da sociedade, mas com a crise humanitária no país, passaram a se deslocar.

Pelo nível de isolamento do grupo, Brunela conta que apenas o cacique Ruben Mata fala português e outros três indígenas conseguem se comunicar em espanhol. “Conversando com o cacique, ele falou que eles estavam em uma cidade chamada Jequié e lá a Secretaria de Desenvolvimento Social disse para eles que a cidade era muito pequena e eles não poderiam ficar lá. Em Teixeira de Freitas aconteceu a mesma coisa”, relata a pesquisadora da Ufes.

A coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia (Namir), Mariângela Nascimento, no entanto, nega a versão contada pelo cacique. Ela afirma que faz o acompanhamento dos indígenas da etnia Warao na Bahia e os chama de ‘população flutuante’.

“Eles [os indígenas] ficam assim transitando o tempo inteiro. Não adianta a gente montar uma estrutura de política pública para eles, porque ficam um tempo e vão embora”, diz a coordenadora. Mariângela afirma ainda que em todas as cidades em que o Namir, junto a outras universidades públicas baianas, acompanharam esses indígenas, houve um bom acolhimento pelas prefeituras. Na Bahia, a professora ressalta que há um grande número de indígenas Warao alocados, neste momento, em Feira de Santana.

Mariângela acrescenta que aconteceu um caso similar ao de Vitória no ano passado, em que indígenas Warao deixaram a cidade de Itabuna, no sul do estado, e foram para Belo Horizonte (MG), sem avisar a partida.

Rumo que ninguém sabe ao certo

O destino dos indígenas Warao ainda é incerto e a responsabilidade está saltando de órgão em órgão. A prefeitura de Vitória (ES), por meio de nota, disse que acionou a Polícia Federal, o Ministério da Cidadania, a Defensoria Pública da União, o Governo do Estado de Santa Catarina e o Ministério Público Federal assim que soube da chegada do grupo de 25 venezuelanos. A reportagem buscou esclarecimentos com as cinco entidades citadas, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

A prefeitura de Vitória disse ainda que “segue buscando alternativas legais para o caso, capazes de resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos”. Já a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) comunicou que teve conhecimento do caso a partir do contato da reportagem. A pasta afirma que não foi acionada pelas equipes de Assistência Social das prefeituras dos municípios de Jequié e Teixeira de Freitas e nem pelo Governo do Espírito Santo com relação aos migrantes venezuelanos.

“A questão da migração não é de competência constitucional do governo da Bahia e sim do governo federal. Entretanto, diante da apatia do governo federal, o estado não pode ficar de braços cruzados, tendo em vista um problema tão grave. E, por isso, tem debatido estratégias para a questão, a exemplo de cursos de capacitação para profissionais da assistência social que atendem migrantes na Bahia. Essa pauta tem sido estudada conjuntamente com o Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia (Namir-UFBA)”, diz o órgão. (Com informações do Correio 24 horas)