Os impactos causados pelo uso excessivo de ferramentas tecnológicas na saúde mental de crianças e adolescentes foram debatidos durante a quarta conferência ‘Tecnologia e Infância – O melhor da infância é offline’, realizada na manhã de sexta-feira (8), pelo Ministério Público estadual. “A Organização das Nações Unidas (ONU) já declarou o acesso à internet como um direito humano. Todos nós buscamos no meio digital conhecimento e lazer, por isso precisamos pensar em um uso seguro, sadio e responsável”, destacou a promotora de Justiça Márcia Rabelo Sandes, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca). Ela dividiu a mesa de abertura virtual com os promotores de Justiça Tiago Quadros, coordenador do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf); João Paulo de Carvalho da Costa, coordenador do Núcleo de Combates aos Crimes Cibernéticos (Nucciber); Adalvo Dourado, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Educação (Ceduc) e Patrícia Kathy Medrado, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Cesau).

A programação foi aberta com a palestra ‘Comunicação mercadológica e exposição da imagem de crianças e adolescentes no ambiente digital’, que foi ministrada pelo advogado João Francisco Coelho e pela jornalista e coordenadora do programa ‘Criança e Consumo’, Maria Goes de Mello. Ambos atuam no Instituto Alana, uma organização que atua na proteção integral das crianças. “Precisamos entender que ninguém nasce consumista. O consumismo é uma ideologia que se tornou uma característica da nossa sociedade atual. A publicidade infantil é injusta, abusiva, antiética e ilegal”, destacou a jornalista Maria Goes de Mello. Ela chamou a atenção para as consequências da publicidade infantil, incluindo o consumismo, a adultização e erotização precoces, distúrbios alimentares como obesidade e sobrepeso, estresse familiar e a diminuição de brincadeiras ao ar livre.

O advogado João Francisco Coelho citou estudos mostrando a quantidade de informações acerca dos jovens que são captadas pelas empresas que gerenciam os sites e redes sociais. “Um desses estudos revelou que crianças americanas de 13 anos tem cerca de 72 milhões de ‘data points’ coletados por empresas de tecnologia”, ressaltou.  Essa informações vão desde dados básicos como idade e data de nascimento, até gosto, preferências e a forma como eles reagem a cada conteúdo. “É gigantesca a chance das crianças serem expostas a publicidades inadequadas na internet. Por isso precisamos  lutar por um ambiente digital mais seguro para as crianças e para todos nós”.

A programação contou ainda com a exibição de um vídeo com o depoimento de Fernanda Rocha Kanner, a mãe que apagou todas as contas nas redes sociais de sua filha Nina Rios de 14 anos, que já era considerada uma grande ‘influencer’ no país com mais de dois milhões de seguidores. “Recebi muitas críticas em especial dos seguidores da minha filha. Mas também recebi muito feedback positivo. Passados os primeiros dias, minha filha começou a se reconectar com pessoas e principalmente com sua essência”, afirmou. Ela relatou que foi uma decisão drástica e que a filha ficou brava nos três primeiros dias, mas depois se sentiu aliviada. “A gente esquece que o lado da bajulação excessiva também é muito tóxico. A fama já é perigosa para um adulto. Imagina para um adolescente”, afirmou.

Para o psicanalista Marcelo Veras, nas redes sociais as pessoas viram reféns de outros que sequer conhecem pessoalmente, e daí ocorre o que ele denomina o ‘efeito ao averso do personal influencer’. “No início eles começam influenciando quem os segue, mas depois ficam tão preocupados em manter os likes que ficam influenciados pelos seus próprios seguidores”, ressaltou. Na ocasião, ele falou sobre o tema ‘Uso excessivo de ferramentas tecnológicas, exposição da privacidade e saúde mental de crianças e adolescentes’.

“O mundo atual trouxe uma completa subversão do que é a intimidade. Agora quando preciso de um olhar para testar o meu narcisismo uso o smartphone. Só que nós somos as cerca de 60 fotos não postadas nas redes sociais, que ficam guardadas na memória do nosso celular”. Marcelo Veras falou também sobre a importância de estimular que as crianças brinquem ao ar livre ao invés de ficarem conectadas nos tablets. “Hoje tem se a ideia de que ao criar um filho deve-se dar logo um tablet. Quando na verdade seria mais interessante que as crianças estivessem brincando de massinha para entender a bidimensionalidade de outra perspectiva”. Nesse contexto, ele destacou que as crianças crescem em um mundo com o imperativo do ‘conecte-se’, mas quando vai para a sala de aula e não consegue ficar quieta é diagnosticada dentro do espectro do TDAH. Por outro lado, se a criança rejeita esse excesso de informação é taxada no espectro autista. “Precisamos refletir diante de uma infância altamente medicalizada”, destacou o psicanalista.

O evento contou também com a exibição do depoimento da influencer Pérola Dejus que relatou, junto com sua mãe, acerca do seu dia a dia como apresentadora de TV e digital influencer e também como enfrenta as críticas ao seu trabalho no instagram. Os promotores de Justiça Carlos Martheo Guanaes e Mayanna Ferrerira Riveiro foram os mediadores da conferência.