Por Domingos Matos

Ser camelô não é fácil. Em lugar algum, em qualquer época. Mas, nos dias de hoje, parece que a vida desses trabalhadores vai piorar. Não digo apenas em Itabuna, com a atual administração, eleita que foi – ironia – com o voto de muitos desses excluídos.

Falo também em relação ao país. O Brasil está estranho. Caiu a máscara da igualdade racial, da tolerância com o outro. Foi ao chão a farsa da convivência harmônica, do pacto social, num movimento diametralmente oposto à elevação do tom, da preponderância do discurso do ódio, da separação por classes. Já não se aceitam os imigrantes com aquele sorriso.

E o que são os camelôs, senão os imigrantes no território alheio, do comércio "que paga impostos"? (quem disse que nossos empresários pagam impostos? Sequer recolhem os impostos que pagamos…) O que são, senão os negros que a sociedade agora diz com todas as letras: "não gostamos de você.". O que são esses excluídos, senão qualquer excluído? O desempregado, o gordo – sim, já não queremos sequer olhar para os gordos -, a prostituta que luta por uma vida de menos abusos – note que não falo em "vida mais digna" -, o dependente químico que sonha com uma chance contra a droga, o ex-encarcerado que tenta uma segunda chance…

Ali está quem a sociedade não quer mais ver. E a prefeitura é exatamente a arma que essa "sociedade" usa para esses atos menos nobres. Alguém tem que ter a coragem para fazer o seviço sujo. Quem, se não a já gloriosa "puliça municipal"? – em si, iguais aos que oprimem, mas anestesiados pelo dever de cumprir o que a nova-velha onda higienizante determina. "Limpem nossas calçadas desses imundos!"

Ser camelô é isso, é estar em uma eterna luta de classes. Aliás, é uma face mais visível da nossa eterna luta de classes. Quando o aparelho do estado é usado para oprimir o próprio cidadão, temos uma clássica luta de classes se dando diante dos nossos olhos.

Recebi da prefeitura, como jornalista, na sexta-feira (3) a comunicação antecipada do que se daria nessa segunda. A justificativa: cumprimento do direito constitucional de ir e vir. Ou seja, o cidadão que quer, em tese, comprar nas lojas "que pagam impostos", estava sendo prejudicado nesse direito constitucional, dada a grande quantidade de ambulantes nas calçadas. E, para garantir esse direito, retira-se o direito dos pais de família à renda, à alimentação, moradia e, até, ao ir e vir!

A parte mais interessante: prefeito e secretário de Sustentabilidade Econômica reconheciam que a medida causaria um desarranjo social (não com essas palavras) e se comprometiam a criar, em "curto e médio prazo", medidas para geração de empregos, a fim de compensar esse 'desemprego' que causariam. Como diria aquela cantora do flagrante: que bonito, hein?

Por falar em "bonito", cabe aqui uma pequena análise para o bonito nome dado à velha secretaria do "desenvolvimento econômico" ou do "comércio e indústria": Secretaria da Sustentabilidade Econômica. Sustentabilidade. Afora ser termo da moda, aprendemos – justamente por estar na moda -, que para que se tenha a sustentabilidade real, é necessário que se observem os aspectos enconômicos, ambientais e sociais. O mantra: só é sustentável o que é "economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo".

Em tempo: o secretário da "sustentabilidade" que não se sustenta, é empresário do ramo hoteleiro. A esse ramo interessa muito uma cidade clean. Alguém não sabe o que está dizendo, mas sabe muito bem o que está fazendo.

Outro  alerta: não sou contra uma solução para essa questão social. Mas defendo que seja tratada assim, como uma questão social, que merece uma solução nesses parâmetros.

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