Adylson Machado

Adylson MachadoNão fora o câncer que escapa à cura – que não será atacado sem uma reforma profunda do Judiciário, que inclua o temporário exercício na magistratura e nos tribunais com direito à recondução – os fatos hão de encontrar melhor explicação – porque não há justificativa – nos alfarrábios da Psicanálise e no divã freudiano. Razão por que os recentes e lamentáveis incidentes que ecoam da Comarca de Itabuna possibilitam ao escriba menos repercuti-los e mais analisá-los, considerando que “O advogado” – única atividade profissional com reconhecimento em sede constitucional – “é indispensável à administração da justiça” (CF, art. 133).

Por seu lado, a magistratura, expressão latu senso do Estado para a solução dos conflitos, dignidade que se manifesta no delegatário de poderes inerentes à Nação para distribuir justiça, investido, assim, de múnus público, costuma passar ao largo de uma circunstância: o seu titular é, antes de tudo, advogado que renunciou ao título em razão da determinação legal que o impede de exercer concomitantemente a advocacia com a magistratura. Tanto que, ao se aposentar, comumente a ela retorna.

No entanto, ainda que siamesa a origem graduanda, acentua-se o distanciamento de parcela da magistratura em relação à atuação do advogado. Parte aprofunda-se fruto da dinâmica neoliberal que trouxe à jurisdicionalidade concepção de mercado. Mas, essencialmente, à conta dos humores que tenda a um mal não catalogado pela Medicina, identificado no mundo forense como juizite – inflamação não física que se alimenta no ego de seu portador, às vezes fugindo ao seu controle.

A de agora não é bissexto. Numa comarca provinciana desta região um advogado itabunense, enquanto insistia em falar com a magistrada que se negava a atendê-lo – isolada na sala de audiência – viu-se cercado de policiais e ameaçado de prisão pelo crime de estar exercendo com dignidade a profissão. A impoluta figura, em outra oportunidade, manipulou uma ata de audiência, depois que o causídico se encontrava ausente (ou seja, depois de encerrada a audiência). O que aconteceu? Promovida, no instante em que o quis. Coincidentemente para Itabuna, escolha pessoal. (Aviso aos navegantes: persona distinta daquela noticiada).

A magistratura não é incompatível com educação, bons modos, bom senso, cortesia e civilidade, mormente entre os que estudaram um dos mais belos currículos de Humanidades. A essência de distorcido comportamento não está na função exercida, mas na postura desenvolvida por alguns magistrados, próximos do Olimpo por causa da estabilidade, da inamovibilidade e do razoável contracheque custeado pelo cidadão a quem cumpre atenderem.

O que tem feito o Tribunal de Justiça para a formação funcional do magistrado? Apenas os convoca a produzir ou também dá lugar à noção de que compete a ele como servidor público – e o magistrado o é – servir? É-lhe lembrada a Ética da convivência e do respeito para com profissionais que são indispensáveis à sua atuação?

E como responderá a OAB? A indagação nos vem diante de uma constatação: como os fatos se repetem com certa freqüência, ou a OAB não atua a contento, ou sua atuação é inócua diante de um sprit du corps da categoria magistrada em sua redoma de intocabilidade.

Antigamente – dirão os saudosistas – para ser juiz somente o advogado que advogara durante considerável período. Em tempos em que não havia exame para OAB – o que nos alimenta a certeza de que não é a sua existência o cerne de avaliação e qualificação – esse “estágio” ensinava-o a labutar com as nuances do bom senso no processo e não só a aplicar a lei. Em outras palavras: fazia-o conhecer o processo – experimentado na prática e não só na teoria. Na lição de que só se aprende fazendo.

Hoje o magistrado não conversa com a parte, manda fazê-lo através do advogado. Que não é atendido por alguns: – “peticione, doutor”. E quando a petição lhes chega lançam-na nas gavetas. Especialmente se versarem sobre temas complexos, que exijam estudo, análise comparativa, silogismo argumentativo, analogia. Escoram-se muitos na comodidade da decisão sustentada na jurisprudência pura e simples, muitas vezes dissociada do seu caso concreto, quando não atende pura e simples ao desiderato da produtividade, comum na comodidade da extinção do processo sem julgamento de mérito em favor da estatística exigida pelos Tribunais.

Há muito a fazer para aperfeiçoar o Judiciário. Começando com o que ele dispõe e tem de mais imediato: a humana expressão. Saudosismo ou não, exemplo há: quem há de esquecer magistrados que nunca dispensaram um advogado que os procurasse para discutir o interesse das partes? Que seja compreendido que todos foram antes grandes advogados, que levaram para a magistratura o apoio da experiência advocatícia.

Talvez aí a grande diferença em relação a alguns desta contemporaneidade: desconhecer que o magistrado é antes de tudo advogado que julga e que o advogado que a ele peticiona “é indispensável à administração da justiça”.

Fora disso só a falta de respeito.

Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum