Adylson Machado

adylsonUma intervenção lamentável. Não pode ser outra a adjetivação para a desastrosa manifestação do Presidente da FICC, Cyro de Mattos, depois de encerrada a programação de lançamento, em Ferradas (segunda-feira, 9), de um projeto da comunidade voltado para a comemoração do centenário de nascimento do escritor Jorge Amado, a ocorrer em 10 de agosto de 2012.

Desastrosa (outra adjetivação que se impõe) porque efetivou a lamentável interferência quebrando o protocolo, que fizera inserir falas curtas dos que compunham a Mesa e dos que apresentaram o Projeto "JORGE 100 anos AMADO", imediatamente à fala do Prefeito Municipal, José Nilton Azevedo, a quem cabia o encerramento do evento.

Não fora isso, enveredou por gongóricas considerações – em 90% publicizando sua atividade de escritor – descambando por considerações outras, como se falasse para um público que não entenderia o que dissesse, como quando confundiu o lançamento de CACAU (1931) como obra amadiana que inseriu a geografia grapiúna na literatura do ilustre ferradense, o que somente ocorreria com TERRAS DO SEM FIM, em 1943.

Desconheceu no texto, de forte componente idealístico (de um radical de esquerda, daí porque seria obra menor, disse-o o próprio Cyro de Mattos), que Jorge Amado utilizou-o para denunciar mazelas da cultura/economia cacaueira como expressão da exploração capitalista, o que implica observá-la sobre qualquer espaço onde existisse o fruto de ouro, fosse Itabuna, Ilhéus, Canavieiras, Itororó, Ibicaraí, Camacã, Itajuípe etc., o que afasta a observação autoral (posta sob olhar econômico), da evidente temática abordada em TERRAS DO SEM FIM, configuradora de uma geografia física determinada, envolvendo os conflitos pela conquista das terras do Sequeiro, envidados pelos personagens Horácio e Sinhô Badaró.

Não bastasse a cansativo enredo – que logo se viu caminhar para a defesa de projetos que diz realizar na FICC – enveredou por criticar a administração municipal (a que diz servir) sob a alegação dos parcos recursos destinados ao setor cultural, ao tempo em que deixou claro que, nestes quase vinte meses à frente da instituição, não desenvolveu projetos que fizessem aportar recursos na área em que atua.

Esse último aspecto refuta-se da maior gravidade. A direção de qualquer entidade cultural tem obrigação de, pelo menos conhecer (se não souber), da existência de recursos financeiros alocados especialmente no Orçamento do Governo Federal aguardando apenas bons projetos que viabilizem a sua disponibilização. Desta forma, se a FICC não disporia de recursos, ao que parece faltam-lhe projetos, competentemente elaborados, encaminhados às instâncias culturais do Estado e da União, confessa-o o seu Presidente.

Possibilita-nos entender da fala do Presidente da FICC que, ao que parece, nem sempre a formação ou reconhecimento intelectual são virtudes ideais para transformar ideias em projetos, e esses em transferência de recursos.

Por fim – para não alongar o texto, tantas outras incongruências – aproveitou para falar de sua amizade, quase intimidade com Jorge Amado, ressaltando o "grande coração" do escritor brasileiro mais traduzido no mundo. Disse-o que desprendimento e ausência de ambições faziam de Jorge homem maior do que o era na literatura. E que tudo isso lhe ficara (a ele, Cyro) como exemplo.

Pelo que vimos segunda-feira, em Ferradas, o poeta e contista Cyro de Mattos não aprendeu a lição ministrada pelo mestre Jorge Amado. Em tempos mais pretéritos, de questionada pedagogia, receberia uma boa lição. Não necessariamente ajoelhar sobre grãos de milho ou de feijão no canto da sala. Mas de que a boa educação recomenda não interromper os outros. Demais disso, falar menos – e só quando chamado – e trabalhar mais, para evitar ser transferido de escola.

Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de "Amendoeiras de outono" e " O ABC do Cabôco", editados pela Via Litterarum