Por Walmir Rosário

Hoje, 8 de dezembro, cidades do mundo inteiro festejam o dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição, mãe de Jesus Cristo. Em Itabuna, um bairro, em especial, tem a honra e glória de celebrar tão importante data, o bairro da Conceição, nome este que remonta dos anos 1950 – século passado. E nem precisa de feriado para que a festa seja realizada, pois logo cedo os sinos da igreja anunciam a data especial.

Acompanhei – pari e passu – a transformação daquele pachorrento local, ainda conhecido pejorativamente de Abissínia (por causa da guerra nesse país africano) em um dos locais mais desenvolvidos da cidade. Asseguro que essa metamorfose teve como vetor principal a construção da Igreja pelos frades capuchinhos Isaías, Justo (italianos) e Apolônio (pernambucano).

Até o início da construção da Igreja, vivíamos uma vida bem pacata, é verdade, mas gozando de todas as prerrogativas que a comunidade nos proporcionava. Duas boas padarias: Santa Fé e Conceição; uma dezena de vendas (mercearias); uma capela de madeira, na qual rezávamos o terço, puxado pelo vozeirão de Vicente Conceição, dos Congregados Marianos e as senhoras do Apostolado da Oração, e missas esparsas celebradas pelo Padre Nestor.

Nos anos 1950 o bairro ainda ressentia da queda de movimento, causada pela construção da BR-101, transferindo o tráfego para Buerarema pela nova rodovia. O abalo foi sentido, mas, aos poucos, a vida econômica voltou ao seu lugar. Bares tínhamos aos montes, alguns deles dignos de lembrança, embora minha memória tenha deletado o nome de alguns deles.

Mas não faz mal. Logo na cabeceira da ponte (sobre o rio Cachoeira) Góis Calmon, inaugurada em 1928, dois grandes bares: um na esquina, na qual trabalham Afrânio e seu irmão gêmeo, e ao lado o Lugarito Bar, de Afonso. Este merece destaque especial, por sediar mesas de sinuca e as máquinas responsáveis pela corrida ao vivo do famoso Jogo do Bicho. Era um espetáculo à parte, também pelos sorvetes e picolés.

Grande empreendedor, Afonso criou o Serviço de Alto-falante Tabu, que tocavam as músicas sucessos do momento ou pedidos dos ouvintes, nas vozes das irmãs locutoras Jacira e Jandira. Aos domingos, programas de rua com brincadeiras, jogos, corridas de saco, pau-de-sebo e distribuição de farta premiação. Outra boa diversão era ouvir nesses bares, pelo rádio, os jogos importantes dos times do Rio de Janeiro.

Não tínhamos um campo de futebol, mas nos orgulhávamos em ter dois times de futebol: os dois Botafogo, um vermelho e branco, dirigido por Maninho, e o preto e branco com a estrela solitária, presidido pelo gráfico Rodrigo Antônio Figueiredo. Nos dois Botafogo jogou Danielzão, como goleiro no vermelho e branco, e como centroavante no preto e branco, posição em que permaneceu por toda a vida esportiva, inclusive no Leônico.

Já sob a influência dos capuchinhos, assim que o prefeito José de Almeida Alcântara tomou posse, colocou os tratores para abrir novas ruas e construir a praça dos Capuchinhos, local em que nos reuníamos à noite e jogávamos baba num campinho apertado. Aos poucos, novas casas foram ocupando as ruas, novas igrejas protestantes sendo instaladas e vivíamos em paz, numa comunidade perfeita, o que nem sempre acontece hoje, inclusive com a tentativa de “calar” os sinos.

E a grande obra da Igreja foi tomando lugar de destaque, se transformando num marco do bairro. Dinheiro escasso para comprar materiais de construção e pagar os trabalhadores, Frei Justo inovava, entrando nas casas comerciais e residenciais pedido dinheiro emprestado. Como garantia dava um vale ou simplesmente um bilhete de uma rifa em prol da construção da igreja.

Aos mais abastados pedia as portas, janelas, como aconteceu com empresário Oscar Marinho Falcão, o mais rico de Itabuna, que atendeu às solicitações sob a condição de que Frei Justo não contasse a ninguém. Segredo absoluto como no simbolismo da confissão. Igreja concluída, imediatamente começaram a construção do Colégio São José, que ofereceria os cursos primário e ginasial, hoje Fundamental I e II.

Àquela época estudávamos no bom colégio estadual General Osório, de grandes professoras, como as filhas de Marinheiro, e não precisávamos de reforço para o “vestibular” da admissão ao ginásio. Entre uma folga no colégio ou no catecismo de Maria Zélia, ajudávamos na construção da igreja (hoje os frades seriam processados pelo MP). Nos sentíamos com o dever cumprido. Tenho o orgulho de ter sido o primeiro Coroinha e o primeiro seminarista, puxando uma fila de colegas por muitos anos.

Hoje, a igreja é a mesma, a população bem diferente, embora se adaptem à cultura do bairro. Foram embora os capuchinhos, vieram os padres diocesanos e Nossa Senhora da Conceição reina absoluta. Confesso que sinto saudades dos festejos, com barracas e quermesses, suspensas pela pandemia, mas, por certo, uma garbosa procissão percorrerá as ruas do bairro, numa demonstração de fé dos seus moradores e devotos.

O tempo passa, fica a história, sempre contada pelos que fizeram ou ainda fazem parte de uma comunidade como a do bairro da Conceição. Na minha memória, aquela imensa igreja já não tem o mesmo tamanho, mas é a minha Igreja, a do meu bairro, a melhor das igrejas.

Walmir Rosário é Radialista, Jornalista e advogado