Sione Porto

delegada sione portoApesar do grande esforço dos usuários em marchas pacíficas, a fim de convencer as autoridades brasileiras que a descriminalização é o avanço para combater o fogo intenso dos traficantes, esse comportamento dos simpatizantes e dos que apóiam a legalização, parece-nos equivocado.

A ampla maioria dos médicos psiquiatras, preocupada com a saúde pública e psicológica dos dependentes, diverge totalmente dessa multiplicação de ideias, cujos defensores trazem como exemplo a Holanda.

No reino dos Países Baixos, a Holanda, com território de 41.526 quilômetros quadrados, a população de 16.418.826 milhões habitantes, economia próspera na agricultura, pecuária, comércio, transporte, comunicação, indústria química, metalúrgica, prestação de serviços com excelência, meio ambiente sustentável, e uma das maiores produções de gás natural, é inigualável com a extensão do Brasil (9.372,614 km2), pouco menor do que toda Europa, tendo uma população de 190.755.799 habitantes, conforme o Censo Demográfico 2010 do IBGE.

A Holanda, que teve na sua visão comercial, juntamente com a Inglaterra, voltada para o comércio de ópio, por décadas, inclusive exportando para outros países, foi depois da Segunda Guerra Mundial que a marijuana (maconha) foi introduzida na Holanda, por soldados e músicos de jazz, inicialmente mantendo o consumo restrito, pois até então o governo holandês nada sabia sobre a nova droga. Crescendo o consumo, o governo holandês passou então a fazer um estudo mais abrangente.

Nos anos 70, período de crescimento e consumo de drogas em todo o mundo, especialmente o uso da cannabis sativa, foi apresentado, em 1972, um estudo sobre drogas na Holanda, conhecido como Boon, e, em 1975, com um novo relatório, denominado relatório Cohen, foi proposta a legalização da cannabis sativa, cuja justificativa tinha por base a rejeição da Teoria do Degrau (teoria que dispõe que a maconha faça com que o usuário parta para drogas mais pesadas), como entendia a maioria dos países europeus. Assim, em 1978, o governo holandês alterou a lei, fazendo uma distinção entre drogas leves e pesadas. A partir daí, a venda usual passou a ser feita nos coffeeshops e em clubes de jovens. Entretanto, passou a ser tolerada, com certas condições, assim afastando o comércio negro.

Hoje, com todo volume do uso de drogas sintéticas pesadas, tipo heroína, o governo holandês cuida não só do controle, mas com todo o aparato, fornecendo seringas, a fim de evoluir a contaminação de novos usuários e de suas conseqüências, o que certamente o governo brasileiro não teria com os seus usuários. Os partidos políticos holandeses, democratas cristãos (CDA) e o movimento da direita liberal (VVD), com todo esse controle, querem ainda uma atuação mais rigorosa.

O Brasil, na sua extensão territorial, não se pode comparar com a Holanda, pois o menor estado brasileiro é bem maior que esse país, sem esquecer as peculiaridades e falta de controle das fronteiras. Para se ter uma ideia, a falta de fiscalização do nosso governo, no desmatamento da Floresta Amazônica, é motivo de preocupação de todos ambientalistas, vez que temos 333 mil km2 desmatados, que significa 11 Bélgicas.

A favor da legalização da maconha, temos, no Brasil, o deputado federal Fernando Gabeira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua falecida mulher, a antropóloga Ruth Cardoso, entidades não-governamentais, simpatizantes, políticos, ministros, intelectuais, artistas, estudantes, dentre outras pessoas comuns.

Entendemos que o Estado brasileiro ainda não está preparado cultural e economicamente para equipar todos os estados da Federação, no suporte de fiscalização para plantio e venda da droga, como acreditam os simpatizantes. O problema não é só regulamentar e descriminalizar. Além desses problemas, questionamos ainda se, para as redes de saúde pública, farmácias, hospitais, postos de saúde, casas de acolhimento para dependentes químicos, com acompanhamento médico e psicológico, e assistência social, há investimentos previstos em lei para tal finalidade.

Como jurista e conhecedor de todos os problemas que afetam os dependentes de substâncias entorpecentes, o juiz Erick de Castro posiciona, com muita propriedade, contra os argumentos dos que estão a favor, devido aos malefícios que a maconha traz aos seus dependentes. O psiquiatra Içami Tiba considera que a maconha vicia, com o poder viciante de 50%, o que provoca dependência psicológica, produzindo conseqüências severas, como a chamada Síndrome de Abstinência (falta da droga), provocando perda da concentração e produzindo alto índice de agressividade.

O próprio instituto holandês de saúde mental (Trimbos Netherlands Institute of Mental Health), publicou no British Journal of Psychology, um estudo que prova a relação da maconha com a agressividade entre crianças e adolescentes, além do baixo nível de aprendizagem (baixo rendimento escolar).

Diante de todo exposto, para se regulamentar e legalizar o uso da maconha (cannabis sativa), considerando principalmente a realidade brasileira, há muito em que se pensar antes, pois se trata de tema que gera muitas controvérsias, sobretudo sociais e econômicas, pois o Brasil gasta milhões na repressão ao narcotráfico, em vez de se concentrar seus esforços no tratamento e recuperação dos sujeitos, por meio de políticas públicas eficientes e eficazes.

(Reprodução de publicação no jornal Agora dessa quarta-feira, 8)

Sione Porto é delegada da Polícia Civil e membro da Academia de Letras de Itabuna (Alita)