Por Domingos Matos

Sou vascaíno, já deixo dito. Mas, ninguém pode negar que o nosso maior rival, o Flamengo, está em outro patamar – em homenagem à expressão que viralizou entre seus torcedores. Bom pra eles. Vão bater recordes, ganhar campeonatos e ganhar dinheiro, muito dinheiro. Mas, esse é o objetivo de um time de futebol: a competição. Ou, melhor, vencer competições e fazer números – e cifras. Já imaginou se todo líder pudesse ser como Jorge Jesus, treinador do rubronegro, e ter para si um time apenas com aqueles que são considerados a elite do futebol de elite? Sonho, não?

Mas, e quando isso se aplica a uma área de inclusão social e construção do ser, como a Educação? Quando uma escola, ou uma ideia de escola, existe para isso, para ter sempre os melhores índices, bater recordes e gerar ganhos – de credibilidade na sociedade – por causa dos números? Perigoso, no mínimo. Assim são as escolas militares ou militarizadas. Muito número e pouca inclusão. São escolas para competição.

Basta ver o Ideb dessas unidades. Sempre altíssimo. Qualidade? Sim, mas não apenas isso. Ou, não sem um preço alto para seus alunos que não se “militarizam”. Esses índices sempre altos tem uma explicação: os militares, responsáveis pela gestão escolar – a parte pedagógica fica, supostamente, a cargo da direção civil – simplesmente não aceitam alunos com desempenho abaixo do ideal.

O problema é que a clientela de qualquer escola é, em sua grande maioria, de jovens em formação, normalmente muito sujeitos a alterações de comportamento. Reflexo, inclusive, do ambiente que os cerca, em casa e na própria escola, diga-se. E, qualquer leigo sabe que essas circunstâncias afetam o desempenho, o comportamento e a forma como se relacionam com outras pessoas e com o ambiente escolar.

Se um jovem, na escola militar, por algum motivo não obtém o desempenho de excelência que dele se esperava, é rua. Se não sumariamente, fazem uma transferência para uma escola civil, expulsam pela pressão psicológica. Comportamento inadequado – e aqui não se fala de violência escolar ou algo parecido – não tem suas causas sociais investigadas. Usa-se, sempre, a solução final, a exclusão, não sem antes aplicar os processos disciplinares que vão da repreensão – em termos militares – ao “impedimento”.

O que isso causa à saúde dos jovens? À boca pequena, muito se comenta a respeito do adoecimento desses adolescentes. Casos de automutilação são comuns entre aqueles que não tem vocação mas insistem – ou são forçados pelos pais – em seguir nesse ciclo de cobranças extremas. Tudo em nome de um comportamento adequado do estudante e de bons resultados nos exames nacionais, que geram boas posições das unidades nos índices de qualidade.

Não se tem muitos estudos divulgados sobre o adoecimento desses jovens. Uma pesquisa no Google, com os termos “adoecimento juvenil nas escolas militares” não apresentou nenhum resultado. Sequer foram sugeridos pelo algorítimo termos de pesquisas semelhantes. Mas, há casos, de conhecimento do blog, de adolescentes que desenvolvem transtornos psicológicos, como síndrome do pânico, ansiedade e, até, casos de jovens que se automutilam devido a essas situações. Alguns pais, inclusive, falam em processar a escola na justiça, por situações vividas numa escola militar.

No momento em que se discute a militarização das escolas civis e a implantação de novas escolas militares, cabe à sociedade, às famílias, se perguntarem se queremos uma escola que acolha ou uma escola que puna, exclua e ridicularize quem não se adequa às suas regras fora dos propósitos de uma pedagogia inclusiva e plural.

O objetivo do militarismo é, na essência, antagônico a esses valores. A ele interessa a uniformização, a padronização, a idealização de um modo de comportamento que sequer seus soldados, praças e oficiais seguem, conforme nos mostra o noticiário.

O governo federal está estimulando a militarização da educação. É de se esperar do presidente algo desse tipo. Cabe, aos que pensam, expressarem suas angústias quanto a disseminação desse modelo. Há boas notícias. Dos nove estados do nordeste, apenas o Ceará aceitou a proposta do governo, de criação de escolas cívico-militares, como solução para a educação. No sudeste, outras três unidades da federação também rejeitaram – Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Resta, agora, mostrar a contrapartida de uma Educação de qualidade, para fazer frente ao discurso fácil da militarização. Um bom exemplo vem do Maranhão.

Essa resistência pode ser o melhor sinal que já tivemos de que uma educação realmente inclusiva é possível. Mas caberá a nós, sociedade, aos profissionais da educação, da saúde mental, da assistência social e aos estudantes de graduações e pós-graduações afins, um posicionamento em relação ao risco de estarmos formando gerações de futuros competidores traumatizados.

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Domingos Matos é jornalista e blogueiro