Adylson Machado

Adylson MachadoDia desses, em televisivo popular, à pergunta do animador, de quem era o mais bonito, nos surpreendemos com o conceito estético de parcela da juventude feminina afirmando o global Luciano Huck como “lindo”. Aprendemos que beleza muito tem de subjetivo, mas, diante da dose, invocamos o Lingote, do Chico Anísio Show anos 70, pausado olhar na câmera: “o que eu tô fazendo nesse disco?”

Arthur da Távola disse certa vez, a Leda Nagle, no Sem Censura (TVE-RJ), que os valores se encontravam sob novas conceituações, para pior, pautadas em inversões que sacrificavam a Ética em benefício do material, o ter se sobrepondo ao ser. Acrescentaríamos: o sonho do ter e do ser igual a.

Abrindo parêntese ao texto, isso nos fortalece na defesa de a sociedade manifestar-se sobre a qualidade do conteúdo televiso, pugnando pelo que deseje e entenda melhor para lhe chegar ao recôndito do lar, agindo como titular do direito sobre o que assistir (que não se efetiva com o lugar comum do “se não gosta desligue ou mude de canal”), destinatária que é de uma prestação de serviço estatal que se expressa através de concessões públicas.

É que, assim entendemos, não lhe cabe o papel de passivo receptador do conteúdo, mero partícipe do “diálogo do monólogo”, como o disse Mac Luhann em relação à televisão. Mas de tornar-se ativo ator de sua realidade, receptor não do pensamento/determinação do emissor, mas da repercussão de necessidades que se lhe impõe e carece. Nesse diapasão, a defesa da cultura local, dos valores da família, da Moral e do civismo, da efetiva contribuição à educação como conteúdo e não à desculpa da existência de programas educacionais específicos em horários nada alcançáveis para o público em geral.

Fechado o parêntesis e retomando o pretendido, na CartaCapital n. 625, de 8 de dezembro, dois textos, de autores diversos, confluem para conclusões  sobre aquele novo prisma, compreendidas em proposições finais distintas. Mino Carta textua (p. 20) em torno do estado de coisas em que se encontra um mundo que justificaria um Mario Monicelli suicidar-se. Bruno Huberman e Ricardo Carvalho (p. 38) sobre o presidente da CBF em “O mundo descobre Ricardo Teixeira”.

No primeiro, a reflexão em torno do autor de uma obra bissexta pela qualidade, que escamoteou o Homem pelo viés do riso e soube, como poucos, textuar na celulose a alma humana sob mordaz abordagem e desistiu de um mundo quando sentiu que não mais poderia contribuir para modificá-lo.

Para os segundos, o trato em torno de matéria da BBC, que vincula o presidente da CBF a uma milionária rede de corrupção, beneficiando-se como membro da entidade maior do futebol, a FIFA, também envolvida em denúncias de desvios e escusos expressares, que absolve a si mesma e aos seus, como se fôssemos todos cegos, surdos, mudos e idiotas.

As matérias possibilitam reflexão dentro da vala comum da degradação dos valores, canhestro ethos contemporâneo, amparado no sentido abjeto de que o dinheiro, não importa a origem, arquiteta o caráter e faz esquecer o mal causado, como quando, em tempos de antanho, se violada a honra feminina, em sendo autor filho de coronel, à vítima só restava a prostituição, se não escondesse a vergonha no claustro de um convento, enquanto a amargura paterna calava-se indenizada com a meágua para cobrir o resto da prole.

No particular de Monicelli – e a filmografia que o torna grandioso ao lado de ícones como Ford, Bergman, Renoir – resistiu com olhar crítico, sensível e sutil, à degradação com que via o mundo que o remetia a certo pessimismo, ainda que otimista quanto à utopia de vê-lo melhor. Sucumbiu, certamente, ao não mais sentir-se útil à esperança. 

Teixeira faz parte do sistema que nega esperança aos que sonham com um mundo melhor e assim encontramo-lo bajulado por dirigentes esportivos (querendo espaço e oportunidades), paparicado por governantes, premiado com escusos contratos, coroado e endeusado pela mídia.

E ficamos, com nossos botões, lembrando do torcedor: aquele banguela, esfarrapado no dia a dia, esgoelando-se em defesa dos seus times de coração em estádios e botecos, defendendo a Seleção – a sua Pátria de chuteiras – única referência cívica que o faz balbuciar o Hino Nacional, tendo Ricardo Teixeira como presidente da CBF e através dela faturando milhões e ainda que investigado por uma CPI e denunciado pelo Ministério Público encontra no Poder Judiciário resistência em puni-lo.

Quanto a Mario Monicelli, o diretor que nos fez refletir pelo riso, suicida talvez por se desencantar com o mundo, que não é mais o mesmo, tendendo cada vez para o pior, dos novos paradigmas da beleza à inversões dos valores vários, seu gesto derradeiro não deixa de ser um libelo, um calado suicídio da Humanidade.

O quixotesco Monicelli, de “O Incrível Exercito de Brancaleone” – relendo versos de “Os Cavaleiros de Granada” de Cervantes, que saíram em louca disparada, em alta madrugada, brandindo lança e espada. Para quê? Para nada! – desistiu do mundo, no dia 29 de novembro, aos 95 anos.

Com riqueza de seu talento gostaria de tê-lo visto deixar, por escrito em celulose, o novo ethos de uma despedida hilária, inspirado do Lingote: “o que eu tô fazendo nesse disco?”

Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum