Por Domingos Matos

Esqueça todos os argumentos que você usava para dizer que não assistia ao Big Brother Brasil, reality show da Rede Globo que hoje se tornou um “game” milionário. O BBB não é mais aquele, que mobilizava multidões para dar “aquela espiadinha” em como pessoas desconhecidas se comportavam em um experimento de confinamento e comida regrada, com momentos contrastantes de bebidas liberadas duas vezes por semana em festas que pareciam uma louvação ao deus Baco.

A proposta parecia tão fútil – e para muitos de fato era –, que poucas pessoas com um mínimo de inserção mais intelectualizada na vastidão do simplismo que marca o telespectador brasileiro admitiam acompanhar os acontecimentos da “casa mais vigiada do Brasil”. Loiras – todas iguais – musculosos da mesma cepa e alguns gatos-pingados de negros, gordos e pessoas mais velhas, para dar aquele lustre de representatividade, o que incluía gays e tipos caricatos – geralmente negros e nordestinos.

Hoje, mais não. O BBB virou outra coisa, o formato antigo cansou, na opinião do Big Brother Boninho, que achou por bem transformar o que era  um reality de confinamento em um game milionário. Para isso, chamou o gamer Tiago Leifert, que comanda o jogo como se estivesse no console de seu X-Box ou numa simulação de second life. Essas mudanças conceituais fazem toda diferença, a começar pela seleção. Enquanto o sonho dos primeiros BBBs era ganhar o prêmio e ser um/a ex-BBB – usufruindo de todas as oportunidades que essa nova categoria trazia –, hoje o objetivo é, nessa ordem: ficar milionário em 100 dias e ganhar milhões de seguidores nas redes sociais ou ficar milionário em alguns meses/anos com esses milhões de seguidores.

Para isso, não importa se precisam fazer a linha “paz e amor”, “militante antenado/a”, “barraqueiro/a”, “fada sensata” ou torturador/a eventual. Sim, a tortura psicológica virou arma de guerra e estratégia de jogo nessa edição do BBB. Claro que tortura psicológica é crime, está previsto na Lei 9.455/97, que define os crimes de tortura, e o Brasil todo está vendo, sentindo e repudiando quem o pratica no reality da Globo.

O Brasil vê, mas a Globo – um país à parte, com suas leis e interpretações da realidade próprias – não parece se importar muito. Acredita que tem o controle do jogo nas mãos, como se pode ver na última segunda-feira, após pelo menos três dias de torturas de diversos participantes contra um colega de confinamento, quando propôs um tal “Jogo da Discórdia”. Parece ter feito para que todos pudessem – agora coletivamente e na presença da vítima – descascar toda sorte de agressões verbais e mais torturas – ainda que sob um polimento mais lustroso, com palavras menos agressivas, mas com o mesmo sentido das que já haviam machucado o participante-alvo durante todo o fim de semana.

A proposta era simples. A intenção, talvez, mais complexa: “quem você acha que é um cancelador na Casa? Aponte duas pessoas”. Quase unanimemente, apontaram para Lucas Penteado, ainda que forçados a contrabalançar as acusações apontando uma segunda pessoa. A intenção da direção do programa, pelo que pareceu, era fazer com que todos refletissem: se estavam denunciando a cultura do cancelamento, o que eles estariam fazendo, se não cancelando o jovem Lucas? Mas o resultado foi apenas mais uma sessão de tortura, mesmo.

Por essas e outras, a edição atual do BBB está despertando manifestações muito negativas nas redes sociais, nos portais e programas especializados em generalidades. As pessoas aqui fora relatam que estão adoecendo por verem o que se passa na casa do BBB, na forma de tratamento a um jovem negro que não consegue ser perdoado pelos erros, embora suplique por perdão o tempo inteiro. Muitas pessoas relatam que as situações se tornaram gatilhos para situações psicológicas que muito já as machucaram.

Até quando a Globo vai normalizar, patrocinar e recompensar um crime cometido em (sua) rede nacional? No afã de cancelar o cancelamento – tema informal dessa edição do Big dos Bigs” -, a horda das redes sociais pode mudar a direção dos protestos a qualquer momento e cancelar quem finge combater os cancelamentos – a própria vênus platinada. 

O Brasil tá vendo, mas tá cansando.

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Domingos Matos é jornalista e blogueiro, editor de O Trombone