Por Domingos Matos

Sinceramente, não acreditava que fôssemos capazes, como povo, de enfrentar um inimigo tão duro como a pandemia do novo coronavírus. Olhava para aquelas praias do Rio de Janeiro, lotadas, para os bares, shoppings abertos em plena guerra, e pensava: não vai dar. Como diz Caboclo Alencar – que saudade do ABC! –, “o brasileiro não tem educação coletiva”. Ou, dito de um modo menos alencariano, somos um povo espontâneo, caloroso demais, para esse negócio de isolamento.

Estava errado, vejo agora.

O caos que nos espera não virá da nossa irresponsabilidade social. Aprendemos rapidamente que ficar em casa salva vidas. Que o sacrifício do distanciamento social, do isolamento voluntário, tem grande eficácia para conter a transmissão do vírus. Há casos de rebeldes? Sim, aos montes, e muitos desses são do grupo de risco. Mas, o grosso da população entendeu o recado.

A mídia também não para de falar disso, o que ajuda a mudar os hábitos melhorar a conscientização da população. De informações estamos bem, obrigado. Só embarca em fake news quem quer – ou gosta. Elas também estão em alta e só servem para aumentar o nível de alarmismo, o que, numa situação de confinamento pode evoluir negativamente para uma histeria coletiva, que não ajuda ninguém. Cuidar-se e cuidar dos outros requer um mínimo de sanidade.

Mas, de onde virá o caos, então? Primeiro, ele já está entre nós. Nada mais caótico do que ter sua vida totalmente alterada da noite para o dia. Escolas, faculdades, cinemas, shoppings, comércio, transporte público, fechados ou suspensos, são um convite ao surto coletivo. Mas, nem essas mudanças radicais são motivo suficiente para gerar o caos absoluto. O caos vem justamente de onde deveria vir a serenidade, da Presidência da República.

Agindo como um “sub-Trump” – segundo expressão utilizada pelo filósofo Eduardo Giannetti –, o presidente Bolsonaro nada de braçadas rumo ao precipício. E, claro, levando a nação junto. Nunca na história desse país, um dirigente conseguiu criar, alimentar e se beneficiar de tantas guerras desnecessárias quanto Bolsonaro. Pior: passa mensagens totalmente antagônicas às que a comunidade científica, ou mesmo seu governo, recomendam. Já pediram sua interdição médica

Seja para desviar a atenção de grandes temas, para esconder malfeitos de seu entorno ou simplesmente por sua reconhecida ignorância, limitação intelectual e profundo desdém pelo conhecimento, o presidente cria uma guerra por dia. Com governadores, quando estes trabalham, com o Congresso, o Judiciário, quando estes sinalizam freios e contrapesos para suas sandices.

Com um presidente que não cansa de sabotar de todas as formas os protocolos de seu próprio governo para combate ao vírus, mas, pelo contrário, estimula a reunião de pessoas em igrejas e atém em shoppings, o caos que nos espera pode ser muito mais grave do que aquilo que as projeções anunciam. Estamos diante de uma tragédia que veste uma faixa verde-amarelo. Cabe a nós freá-lo, com panelas, trompetes, bumbos. Só não podemos nos deixar levar para o precipício.

Domingos Matos é jornalista e blogueiro.