Adylson Machado

Adylson MachadoJá escrevemos – “Os Fatos e a Bola de Cristal”, de 8 de abril – que 2010 deixou  lições ainda não suficientemente enfrentadas para explicar as razões que levam a oposição – sintetizada em suas maiores expressões, PSDB-DEM-PPS – ao encolhimento por que padece. Afinal, parece difícil entender como suas vozes mais veementes perderam o espaço congressual, de Arthur Virgílio a Tasso Jereissat, de Heráclito Fortes a Raul Jungman, ainda atordoadas com a hecatombe que atingiu não mandatos, mas o eixo de comando dos que imaginaram governar por vinte anos o País.

O PSDB é sua maior expressão, ponto de convergência. Dissidência do PMDB no último quartel dos anos 80, quando efervescia o debate político-ideológico no país que saía de uma ditadura de 21 anos se ofereceu aos reclamos da classe média e da elite intelectual que nele se encastelava como contraponto à esquerda recolhida no Partido dos Trabalhadores e seus tecnocratas, que haviam enfrentado o regime militar, ofertavam à sociedade a construção de um Estado de Bem Estar Social à moda da social-democracia europeia.

Ampliou base de sustentação aliando-se ao PMDB, PFL e ao PPS, bloco que transitava da centro-esquerda à direita assumindo a proposta neoliberal que no imediato da crise de 1973 elevara aos píncaros a teoria monetarista e chegava aos 90 como oráculo da internacionalização da economia e da redução do Estado.

Mas, o que faz a oposição perder espaço na proporção em que o perde e particularmente o PSDB?

Num primeiro instante veríamos a incongruência com os programas partidários, se houvéssemos de admitir que os partidos políticos no Brasil a eles se ativessem. Sob esse prisma padeceríamos durante séculos para materializar as razões. Melhor, no entanto, analisarmos a realidade palpável a partir do discurso e realizações internalizadas no imaginário da população, nos dois períodos de oito anos de PSDB e PT no poder.

Em que pese a intervenção neoliberal ocorrer de forma impactante no governo Collor e Itamar Franco tê-la alimentado (destaque para a privatização da CSN, símbolo da Era Vargas, da Açominas, da Cosipa e de subsidiárias da Petrobrás), a chegada do comando tucano ao Planalto escancarou o projeto, amparado na vocação expressa pelo próprio Fernando Henrique de acentuar a sua “teoria da dependência associada”: ampliar as privatizações e desregulamentar o Estado em benefício do mercado, que cuidaria de promover uma autoregulamentação quando muito assistido por Agências reguladoras, nos moldes criados pelos EEUU.

Distante do prometido estado de bem estar social, norteou o seu discurso sobre as oportunidades que estavam chegando ao povo – mais vivas na propaganda do que na efetiva melhoria da renda ou do salário mínimo – já que não se pode cuidar de reconhecer no período um projeto de distribuição ou repartição da riqueza nacional.

Nele (1995-2002) a carga tributária saiu de 26% do PIB (no governo Itamar) para atingir 35,86%, em 2002 (www.receita.fazenda.gov.br/Imprensa/…/08052003b.htm).  O salário mínimo de 200 reais equivalia a US$ 58,00 (o dólar beirava 4,00) – e a cesta básica variava entre de 119,39 (em Fortaleza) e 164,05 (Porto Alegre), consumindo, em média, 70% de salário mínimo (www.dieese.org.br/rel/rac/cesta.xml). O desemprego atingiu 12,6% em 2002, dados do IBGE (pt.wikipedia.org/…/Taxa_de_desemprego_no_Brasil) e a dívida líquida 55,5% em relação ao PIB (www4.bcb.gov.br/…/F20050131) para uma dívida externa de 210,7 bilhões de dólares, com reservas internacionais de 35,8 bilhões (www1.folha.uol.com.br/folha).

No curso dos anos Lula o discurso da oposição capitaneada pelo PSDB centrou-se no fato de que o petista seguia a cartilha do governo FHC e todo o realizado era fruto da competência tucana, razão por que o retorno do PSDB à magistratura nacional consolidaria um projeto de país iniciado no colo do pensamento tucano.

Então, por que a aliança PSDB-PFL-PPS perdeu duas presidenciais seguidas a partir de 2006 e espaço na base parlamentar? Se apenas compararmos os números do final do governo Lula (2003-2010) com os citados acima – referentes ao final do período FHC – encontraremos a principal razão:

A carga tributária, em dezembro de 2010 estava em 35,04 do PIB (www.dgabc.com.br/…/cargatributaria). A dívida líquida em relação ao PIB 40%, para uma dívida externa de 255 bilhões em dezembro de 2010, com reservas internacionais de 288 bilhões de dólares. Desemprego em 5,8%. Salário mínimo de 515,00, para um dólar de U$ 1,65, superava 300 dólares e a cesta básica de 175,88 em Aracaju e 265,15 em São Paulo, consumia, em média, 42% do salário mínimo, praticamente dobrando o seu poder de compra.

Este o ponto crucial para a conclusão da análise: ao afirmar que Lula administrou com o ideário tucano o PSDB entregou ao imaginário da população o discernimento e a comparação entre os dois períodos. Ao vincular a administração de Lula ao seu projeto não percebeu que foi envolvido na arapuca que armava para o PT. Sob essa ênfase, fez reduzir a distância ideológica entre o PT e o PSDB terminando por entregar o discurso social-democrata ao petismo – que migra da esquerda para a centro-esquerda – que dele se apropriou com a implantação de políticas sociais eficazes e leva ao povo a constatação de que a vida melhorou.

 Então se esvaiu o discurso já em 2006. Para o cidadão comum, se Lula era igual a Fernando Henrique e se o PT era igual ao PSDB/PFL o melhor e mais competente foi quem mudou a vida do povo: Lula e o PT.

Assim, ao enfrentar o legado de Lula e a competência de Dilma – que começa a ser reconhecida, difundida pelos meios de comunicação como uma forma de indispor a Presidente com o antecessor – a oposição fica em xeque.

Enquanto o PT se fortaleceu como organização quando na oposição o PSDB descamba ladeira abaixo acompanhando o despencar do PFL/DEM. A oposição está sem rumo, sem alternativa imediata, sem discurso. Sem ter o que dizer ao eleitor de modo a convencê-lo, acuada pelas políticas sociais desenvolvidas. No momento, um beco sem saída, como já escrevemos.

O PSDB, em menos de um quarto de século de sua fundação, se apresenta envelhecido, beirando a senilidade. Trocou a centro-esquerda pela centro-direita e caminha célere para a direita. Não atrai a juventude (que preferiu Marina Silva em 2010) e não se pode descurar da possibilidade de perder votos na classe média não aburguesada, caso esta continue a perceber as conquistas obtidas na era petista.

De concreto que o PSDB não encontra o caminho de volta à social-democracia. Não à toa já se fala em refundação do PSDB. Se ocorrer nos moldes da experimentada pelo PFL, tornado DEM, o caminho não se lhe afeita favorável.  Se lhe falta discurso, ainda precisa, no plano interno, encontrar uma solução que reúna as vertentes de discórdia: Serra, Aécio e Alkmin. Três bicos à frente de penachos delicados e sensíveis que certamente dividirão o partido, pois dificilmente se manterão em torno de qualquer deles sem sacrificar um ou dois.

Diante do sucesso até agora obtido pelo PT e aliados – e se não bastar a demagógica bandeira da redução de impostos para quem os ampliou de 26 para 35% do PIB – só lhe restará rezar pelo quanto-pior-melhor em relação ao PT, sensacionalizar escândalos (não deu certo com o caixa 2, que difundiu como mensalão),  por profundas repercussões decorrentes de mudanças econômicas ou guinar de vez para a extrema-direita. Aliás, nos moldes do Tea Party norteamericano, como já ensaiado na eleição de 2010 ao assumir o discurso fundamentalista centrando a disputa presidencial em quem era contra ou a favor do abortamento, ou se acreditava ou não em Deus, podendo ampliar o roteiro com a defesa da redução da maioridade penal e da pena de morte.

Que Deus nos livre de tudo isso! Ou simplesmente compreenda por que tudo deu errado.

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Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum