Adylson Machado

Adylson MachadoO que muitos duvidaram aconteceu: a consolidação de um partido nascido da utopia de elites sindicais, intelectuais e religiosos, contrariando a tradição da gênese palaciana gestando a manutenção do status quo que alimentasse mudança que não alterasse o rol de privilegiados. Em muito sedimentado na luta sindical e no anseio dos que conviviam com a Teologia da Libertação nas lições de Puebla – que admitia a inserção do cristão na política para dar testemunho do Cristo, efetivando uma práxis administrativa que a aproximasse da oferta de igualdade e participação. No discurso intelectual, em momento crucial da vida do País, enfrentou as últimas resistências dos que ocuparam o poder através do golpe de 1964.

Um partido permitido, segundo alguns, engendrado por Golbery com o objetivo de “legitimar” a bondade castrense então encastelada, como já fizera com o PTB, tirado a fórceps de Leonel Brizola para as mãos de Ivete Vargas e que demonstrou independência, vida e mente próprias.

Não se negue a frieza da agremiação na condução do processo, cortando na própria carne quando se viu alcançando patamares antes apenas idealizados. Perdeu quadros históricos (das entranhas originais saíram o PCO, PSTU e PSOL), mas não o objetivo: a busca do poder, alcançado a partir de 2002 em sua maior dimensão quando nacionalizou políticas de seu programa, praticadas nos municípios que administrou.

Soube contornar os desfiladeiros de águas turbulentas no plano interno e deixou fora do barco quem não aceitava a condução do timoneiro. Não por ele em si, mas pela consolidação de um projeto que somente se materializaria se afastada a dimensão purista contida em sua gênese. Certamente com a consciência de que o processo cirúrgico não lhe retiraria o DNA, apenas adiando a forma de expressá-lo, ou o modo de se fazer a educação para o poder. Daí não restar alternativas: o poder lhe era fundamental, como a toda e qualquer agremiação partidária.

Na lição cotidiana compreendeu que o partido, por ser de trabalhadores no nome, não poderia radicalizar de que somente o era de operários. Assim, a premissa original que alimentava algumas tendências de não se aliar à classe média faria naufragar qualquer possibilidade de ascensão ao poder, a não ser que negado fosse o voto eleitoral a burguesia. Esta carecia de ser conquistada, não repudiada

Temos, particularmente, ressaltado um raciocínio envolvendo Lula e sua pragmática gestão: houvesse mantido em 2002 o programa das campanhas antecedentes (1989, 2004 e 2008) não seria eleito. Nesse prisma a “Carta aos Brasileiros” foi o caminho encontrado. Depois de eleito, se houvesse tratado ideologicamente as questões clássicas que alimentam a tragédia nacional há séculos (reforma agrária, taxação de grandes fortunas etc.) não governaria seis meses. Nem o povo o apoiaria, envolvido que estaria na campanha que seria desencadeada pela mídia e o grande empresariado, que admitiam a vitória para conferir se a proposta seria cumprida.

Daí porque Lula modificou o “as elites dão anéis para não perder os dedos” invertendo-o no “dar os dedos para não perder os anéis”. Para nós os dedos – benefícios ao sistema em geral e ao financeiro em particular – asseguraram os anéis – as políticas sociais implantadas, a redução da pobreza e da miséria, a distribuição de renda.

E se estamos aqui a citar o nome de Lula é porque nos é referência e símbolo do que o partido pretendia, que alimenta refletir no lugar do outro – como nos remete Pasolini em “Gaviões e Passarinhos”: ponha-se desempregado, miserável sem teto e sem comida e responda se o melhor é o discurso sincero ou a refeição diária?

Não nos propomos a escrever um ensaio, tampouco versar o texto nas diversas composições ideológicas que ainda se sustentam no plano do discurso, inteligentemente enfrentado pelo sistema que controla o planeta através das grandes corporações. É que não nos cabe analisar a ideologia que apresenta a melhor solução para o homem. Este (o homem) precisa sobreviver a cada dia e não pode esperar a concretização da utopia pela circunstância de existir. Até porque quem fala tem força para falar porque se alimenta.

Em tempo de aniversário não se negue uma coisa: o PT pode não ser – e analisando friamente não o é – o partido imaginado por muitos de seus fundadores, mas demonstrou para a História que a organização consciente leva a concretudes positivas. Não houvesse existido precisava surgir. O que não poderia, isto sim, era servir de anteparo para o discurso contraposto de quem sempre dominou o poder escorraçando sob o prisma ideológico as massas de participação concreta no bolo social.

Enfrentado pela grande elite e sua mídia, que nele só enxerga defeitos, conseguiu inserir no imaginário da gente mais simples – pelo viés do resultado – que pode haver administração que beneficie o povo.

Uma lição para a sociedade organizada e por organizar, que ainda desconhece na prática os instrumentos de que dispõe para fiscalizar a administração pública e – se não banir – reduzir os limites da corrupção.

Adylson Machado é escritor, professor e advogado, autor de “Amendoeiras de outono” e ” O ABC do Cabôco”, editados pela Via Litterarum