Por Domingos Matos

É como um texto que acontece na cabeça e no coração, mas que jamais publicarei. Estruturado em lembranças e projetos. Aos poucos ganha contornos de um roteiro.

Está aqui, é perfeito, mas não está acabado, a cada dia coloco um período, acrescento um parágrafo, corrijo uma vírgula…

Mas parece que é escrito na areia de uma praia, e sempre no momento em que a maré cheia atinge seu ponto máximo… a onda vem e apaga tudo.

Mas reescrevo.

Em julho, a maré foi forte. Levou todos meus escritos. Lembro que tinha acabado o parágrafo em que a gente se mudava para uma chácara.

Terreno plano, sem obstáculos. De um lado, o viveiro das galinhas. À frente, um pequeno pomar. A casa, de varanda. Viveríamos nós quatro, dois filhos, duas sogras. Mas a onda foi forte.

Mas, a vida segue. É o que dizem.

Dezembro. Tudo reescrito. Do projeto inicial, só restou a casa de varanda. Que fosse plana, sem obstáculos, como a da chácara, mas já sem galinhas e sem pomar. O foco agora era…

Novamente a onda e… tudo apagado!

Velório, alta madrugada, releio o texto que jamais publicarei. Olhos fechados, tudo passa como um filme na cabeça. Um roteiro tão perfeito…

Nesse dia tão triste, um amigo me disse: “a gente só aprendeu a ganhar os presentes de Deus. Não percebemos que somos apenas fiéis depositários, e que um dia teremos que devolvê-los”.

Este ano devolvi minha mãe, em julho, e minha sogra, nesse dezembro inimaginável.

Mas logo é janeiro, e a escrita desse roteiro recomeça, com a descoberta de um novo sentimento: saudade do que não vivemos.

Essa estranha formulação finalmente fez sentido. É a saudade dos sonhos não realizados. Mas como eles aconteceram na cabeça e no coração, serão eternamente reais.

P. S.: Na foto, à esquerda, minha mãe, Dona Carminha; à direita, minha sogra, Dona Rita.