Itabuna está numa escalada desenfreada rumo ao colapso do sistema de saúde, numa inexplicável repetição de um enredo macabro. Aconteceu na Itália, aconteceu na Espanha, acontece em Manaus, Guayaquil nos horrorizou, mas fazemos exatamente o que não deveríamos sequer cogitar.

Não temos um plano de enfrentamento ao coronavírus. Discutimos, semanas a fio, a flexibilização do isolamento, em plena ascendência da curva de contágio, e as autoridades não conseguem nos tranquilizar, porque simplesmente não tem um plano de prevenção e ação. Repetem o mantra do “fique em casa”, mas não fazem sua parte.

Ao longo dos dias fomos observando o crescimento dos números de doentes e de mortos, numa letargia suicida. Já temos 174 doentes, na contagem oficial, e cinco mortos. Diante da tragédia instalada, esperávamos uma fala do secretário da Saúde, Uildson Nascimento. E ele falou.

O grande problema é que foi a pior fala que poderíamos esperar. Disse, basicamente, que se três pessoas entrarem no estágio grave da doença, o lugar de uma já está garantido no cemitério Campo Santo. Por enquanto. As palavras do secretário podem ser vistas AQUI.

Nos informou, com todas as letras, que o município que tem 174 pessoas doentes, apenas duas podem ter o quadro agravado a ponto de necessitar de um leito de UTI. As outras 172 devem torcer, orar, rezar e aguardar o milagre. E se há algo que todos concordam sobre milagres, é que todos agradecem quando alcançam, mas ninguém quer precisar de um.

Voltando ao secretário, foi o pior que ele poderia ter dito. Especialmente ele, Uildson, porque dele consta a assinatura no documento em que, junto com o prefeito Fernando Gomes, decidiu que o Hospital de Base não deveria ser exclusivo para atender aos doentes de Covid-19.

Essa exclusividade evitaria o risco da contaminação cruzada. Pessoas que precisassem de atendimento hospitalar, por motivos outros, estariam longe dali. Planejamento simples. Deu-se o contrário. Mas, como sempre ocorre em tragédias anunciadas, a nossa piorou. As pessoas estão indo ao hospital e são infectadas pelos profissionais de saúde, que não tem – ou não tiveram a tempo – acesso aos equipamentos de proteção individual.

Se o HBLEM fosse exclusivo, haveria a possibilidade de exigir todos EPIs, se não fosse garantido pelo estado, naquele acordo que o governador anunciou aos quatro cantos da Bahia. “Exigiríamos até roupas da Nasa, se fossem as indicadas como necessárias. Hoje, dependemos do senso de gestão desse senhor”, confidencia uma fonte com conhecimento da situação, referindo-se ao secretário Uildson Nascimento.

Faço questão de resgatar um trecho da carta de exoneração do ex-diretor do Hospital de Base, Juvenal Maynart, que circulou nos grupos de Whatsapp:

“(…)Sendo uma unidade de atendimento exclusivo, teríamos aporte (habilitação) de 31 leitos de UTI, que se somariam aos nossos 9 leitos já habilitados, o que iria perfazer um total de 40 desses leitos. Como uma ação local, preparamos espaço para uma eventual expansão, com capacidade para mais 90 leitos, prontos para receber respiradores.

Esses, caso necessário, se somariam aos 60 leitos anunciados pelo Governo do Estado, perfazendo 150 leitos clínicos, todos equipados com respiradores. Todos esses leitos, habilitados, fariam de nosso Hospital de Base uma verdadeira referência – aí no sentido de importância – estadual, quiçá nacional, no tratamento desses agravos.

Não é demais lembrar que estaríamos preparados para atendimento exclusivo para os casos de infecção pelo novo Coronavírus (Covid-19) já a partir da sexta-feira (03.04), com os nossos 9 leitos de UTI, que já estão habilitados, e na segunda-feira (6), com os 60 leitos clínicos, além dos 31 novos leitos de UTI, desde que chegassem os equipamentos anunciados pelo secretário estadual da Saúde, Fábio Vilas-Boas.”  

Relendo isso, a pergunta necessária é: por que abrir mão de uma estrutura dessas, para ficar, a essa altura, com dois leitos de UTI prestes a serem ocupados e completarem o colapso de uma parte importantíssima do sistema de saúde? Diante de tudo isso, de sua total incapacidade de sequer apresentar um plano de enfrentamento do problema, o secretário vai à imprensa e alerta: “corram para as montanhas!”.

Pena que não tenhamos sequer essa possibilidade, dado que estamos em isolamento em nossas casas, para não precisar de uma bendita UTI.

(O autor pede desculpas pelo texto em primeira pessoa. Mas chega um momento em que nossa vida está em jogo e não há outra forma de falar do problema)