Nhecolandiemos, pois!

Jorge Araujo

Jorge AraujoEnquanto patinamos no gelo da indiferença ou no quase nada de um cotidiano de ásperas brisas, proponho manobras diversionistas entre o papel e a tinta dessas reminiscências do éter a que chamamos “relação de quarto crescente da escritura para com a leitura”, de imperecível memória.

Gosto que me enrosco de um programa televisivo, visto sempre que posso nos começos da manhã do nublado ou solar domingo, o tal sétimo dia em que até mesmo o Criador se deu folga para espreguiçar-se, antes das invenções de crença e descrença das semanas de trabalho. O “Globo Rural” cheira a terra molhada, como a voz de Nana Caymmi, e evoca campos e currais, pasto e plantação, a comunidade agropastoril assessorando o dia em eflúvios de luz. Daí que, numa reportagem do competente e sensível José Hamilton Ribeiro sobre a criação de cavalos no pantanal sulmatogrossense, topei com o inédito, o insólito, o inacreditável.

Não é que existe mesmo um lugar fadado à indução de encantos prazerosos e afrodisíacos? É possível que a origem do nome não decorra de uma intenção ou impulso desejante (e as geografias física e humana muito poderiam nos esclarecer a respeito, antes que ampliemos ainda mais nossa rematada ignorância dos vários brasis), mas é fato topograficamente comprovável, na região pantaneira do Mato Grosso do Sul, o espaço territorial de Nhecolândia, município que, no embate de uma franca e implícita sugestão, poderia ser traduzido como “paraíso do Nheco”. Logo lembrei-me de Bandeira e de sua Pasárgada (onde o poeta teria a mulher que quisesse na cama que bem escolhesse). Não é à toa que, quando do desmembramento de Goiás, ao sul, para a região que hoje forma o Estado do Tocantins imaginaram o absurdo de nomear a capital como Pasárgada, o que motivou mil uivos de protestos de justificada indignação em contrário.

Pois se Pasárgada é pátria da utopia lírica — não se justificando, portanto, a platitude equívoca de sua fundamentação no real concreto —, Nhecolândia a redime no emblema da realidade impregnada de afeições eróticas, galvanizando perfis eletivos de identidades perpetuadoras do Desejo. Que me perdoem os nhecolandenses (ou nhecolandianos), mas se lugar houver onde o nheco-nheco mais se ajusta em suprir-se de combustíveis míticos, parece inquestionável atribuir-se ao solo sagrado de Nhecolândia, ali culminando as instâncias do prazer da perpetuação. Singrando formulários desse suprimento, em breve Nhecolândia irá integrar-se ao mapa do Prazer sem Culpa, festejando a libido com o timbre floral da celebração da mais antiga atividade humana, contemporânea mesmo de um deus, Eros, o patrocinador da fecundidade dualística e tribal.

Por tudo isso, com muito bom gosto e estesia moral, sugiro substituirmos nossas angústias do cotidiano por uma apoteótica temporada em Nhecolândia. Problemas? Esqueçamo-los nas águas termais do Paraíso do Nheco. Ansiedade, desesperança, desconforto, incapacidades temporárias, queda de cabelo, desemprego, dúvidas, hesitações metafísicas, nheco-nheco neles. Nhecolândia é fidelidade permanente a Eros. Mais do que palavras, uma ação (e emoção, é claro!) a toda prova. Se o distinto público que ora me assiste disso duvida, experimente um tour pelas selváticas pradarias da fruição e do gozo, vá até lá. Garanto que encontrará em Nhecolândia mais que a simples criação de cavalos e bois, fogosos garanhões e éguas pantaneiras. Em bom português, encontrará a identidade definitiva de suas diferenças entre o “se não” e o “senão” de cada um assumir a dor e a delícia de ser o que é.

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Jorge Araujo é poeta, ficcionista, ensaísta e dramaturgo, mestre e doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ, Professor Adjunto da UEFS, tem 35 livros publicados