Por Domingos Matos

Inaugurado em 26 de julho de 2019, o Teatro Municipal de Itabuna, o nosso Teatro Candinha Dórea, nasceu com uma sina – a pior que equipamentos culturais podem ter: a sina da falta de público. Mas, veja, essa é uma sina que talvez não tenha surgido assim, do nada. Vem desde a sua concepção. Para quebrá-la, porém, o nascimento teria que ocorrer em outra época. Infelizmente, não foi possível.

Vamos explicar. O teatro é fruto do pensamento do prefeito Fernando Gomes, que tem uma fixação por deixar seu nome registrado na história como o tocador de “grandes obras” na cidade que administra pela quinta vez. Até aí, uma questão freudiana. O problema é que um teatro construído obsessivamente por FG é uma contradição ambulante.

Não porque ele já disse que cultura é frescura, ou porque já mandou destruir outro teatrinho que ele próprio não cuidava. A gente sabe que o que importa para ele não é o teatro em si, seu espírito libertário e libertador, por vezes libertino, como é próprio de um lugar de artes. Para Fernando mais vale a “obra” do teatro do que aquilo que ela representa, com toda a sua complexidade, inclusive metafísica. Está na moda, esse tipo de governante, aliás.

Sabe aqueles machos que “fazem” um filho na mulher apenas para provar sua capacidade reprodutora? Essa é a origem da triste sina do Candinha Dórea: foi parido, filho de pai que não gosta de criança. De que adianta “fazer” um filho se não vai dar carinho, atenção, cuidados? Ou, um teatro sem uma política cultural, sem um estímulo às artes, à criatividade, à transgressividade do fazer artístico?

A cultura de um povo, no sentido do fazer cotidiano, pode sobreviver por um tempo, ainda que não tenha estímulos externos, pois ela é espontânea. Determinada sociedade faz, hoje, aquilo que sempre fez, independente de aquilo ser reconhecido como arte por um terceiro elemento, um elemento externo. Isso é cultura, é passado de geração a geração.

Lógico que, quando as manifestações dessa cultura são estimuladas, a chance dela sobreviver ao longo do tempo são maiores. Quem estimula as manifestações culturais dos grapiúnas? Menos complexo: cadê o estímulo à arte grapiúna? Porque arte e cultura nem sempre se confundem.

Para piorar, o nascimento de nosso teatro se deu no meio do que se chama de guerra cultural, um movimento anticultura encabeçado no Brasil pelo ideólogo do governo Bolsonaro, o “filósofo” Olavo de Carvalho. Ora, Itabuna tem um governante que não estimula as artes, e que combina direitinho com um presidente que declara guerra às artes e à cultura, que esmaga as minorias que não “se curvam à maioria”.

Bolsonaro fala abertamente que busca a destruição de culturas, como a indígena, ao dizer, na maior tranquilidade, que cada vez mais os índios são “seres humanos como a gente”(!). Antropologia de facebook. Assim também como a quilombola, com o estímulo ao ataque territorial, além do racismo e desumanização, como também faz com os índios. Isso para ficar em apenas dois grupos étnicos. Nem se fale aqui nos ataques à produção artística por e para a população LGBTQ+.

A falta de incentivo é um caminho para o aniquilamento. O Candinha Dórea deu esse azar, de nascer em plena Era Bolsonaro, pelo capricho de um prefeito que jamais irá fomentar a cultura e as artes com políticas públicas essenciais para a vida humana. Se já não o fazia quando o governo central estimulava essas políticas, haveria de fazer agora, com tudo “a seu favor”?

Nessa tal guerra cultural, Itabuna vem acumulando baixas ao longo de sua história, com as maiores a cada gestão do atual prefeito. A trinca Olavo de Carvalho, Bolsonaro e Fernando Gomes não é um bom sinal para a sobrevivência do Teatro Candinha Dórea. Quem poderá levantar ao menos uma trincheira contra o eixo?

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Domingos Matos é jornalista e blogueiro